Cheguei de mais uma visita ao CTI. Minha amiga está se recuperando, graças a Deus. Está mais corada, respira melhor e hoje olhou-me bem nos olhos. Vim com o coração mais leve.
Desci do ônibus no Largo dos Leões. Tião estava sentado no banco verde da praça arborizada. Cochilava tranquilo com o queixo caído no peito. Tião é forte, em torno dos 60 anos de idade. Tem a pele escura e cabelos crespos, ligeiramente grisalhos. Seu semblante é sempre sereno e só fala o necessário.
Como extensão do banco verde, ele enfileirou uma série de caixotes servindo de balcão para sua livraria de segunda mão. Além de livros, vende DVDs, CDs, muitas vezes clássicos, e reserva um cantinho para pequenos objetos como caixinha de música, abotoaduras, bichinhos e flores de gesso, antigas imagens de santos, caixinhas de porcelana ... Tudo muito velho, tirados do baú.
Tião dormia tranquilo. Passei por ele e sorri. Parecia feliz em sua simplicidade. Rapidamente, desviei os olhos para um barulho no asfalto. Os carros estavam parados na faixa, esperando o sinal abrir quando surgiu do nada uma espécie de skate quadrado com um passageiro nele sentado, sem pernas. Ele vinha em toda a velocidade em direção dos carros, e no último instante, antes de bater, girou o corpo e seu veículo subiu pela rampa da calçada, esbarrando de leve na mocinha que ali fazia seu estranho trabalho. Ela assustou-se, deu um grito, mas logo os dois riram do incidente.
A
mocinha, quase uma adolescente, tirava latas de alumínio de um saco, na beira da rua, e jogava-as sobre asfalto no momento exato em que o sinal abria para os carros. As latas pipocavam debaixo das rodas e quando os carros se afastavam e o sinal fechava novamente, ela corria e recolhia as latas achatadas e jogava outras. Era esse o seu trabalho. Fiquei encantada; sorri de novo. Ali, tão pertinho, no tempo e no espaço, três cenas tão inusitadas!
Minha amiga, Tião, o jovem do carrinho e a menina das latas me acalentaram o coração naquela tarde. Quatro vidas, quatro histórias, quatro pessoas lutando pela vida superando o quase insuperável, esperando, confiando e sem complicações, fazendo a vida acontecer.
Agnes G.Milley
2 comentários:
LINDÍSSIMO!!!
Agnes, esse seu olhar é o "olhar sobre a perifería" de que Dom Antonio Augusto falava na homilía de um dos recentes domingos na Missa da Paróquia de Na. Sra. da Paz.
Como é importante olhar para "as margens", os "outros espaços à nossa volta no cotidiano"...SÃO PESSOAS QUE VIVEM E SOFREM À MARGEM DA SOCIEDADE e que PRECISAM DO NOSSO OLHAR DE COMPAIXÃO E SOLIDARIEDADE.
Você, minha tão querida amiga, é MESTRA NESSE OLHAR PRA O OUTRO!
Abração,
Pat
Patrícia sempre passo para a Agnes os comentários feitos aqui. Ela gosta muito de ler. Beijos
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