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quarta-feira, 5 de junho de 2013

A moda é uma arte?

Pontos importantes recolhidos de um texto de Ana Sánchez de la Nieta .

A procura da beleza na moda faz com que o trabalho do desenhista se aproxime muito do trabalho do artista. Como este, o costureiro precisa de elementos de inspiração para criar, para confeccionar as suas coleções.

A moda é uma arte; alguns vestidos de alta costura não têm nada a invejar aos objetos de ourivesaria; no polo extremo, a semelhança entre o estilo grunge e a pintura hiper-realista é bastante evidente.
O mérito da moda como arte é que, com palavras do filósofo Manuel Fontán de Junco, " A moda é uma arte que se usa, que se leva para a rua; é uma arte de consumo a que todos têm acesso". E é fundamentalmente uma arte humana. Uma arte feita por e para o homem.

Por isso, a moda não é só uma realidade estética, mas também ética. O desenhista não pode esquecer a dignidade da pessoa ao concretizar as suas criações. A roupa tem que servir para salientar essa dignidade; por isso têm sentido as críticas que se fazem a um tipo de moda que mostra a mulher como um objeto....O desenhista veste o homem e despe a mulher, o que não deixa de ser um paradoxo numa sociedade que se presume de igualitária.

Enquanto alguns protestam energicamente contra esta forma de entender a moda, já que opinam que lesa a dignidade da pessoa - sobretudo da mulher -, outros alegam que o desnudo pode ser artístico, que pode transpirar beleza. Perante este dilema, surgem algumas perguntas: Qual é a apreciação verdadeira desta moda atual? Não serão estas críticas marcas de um puritanismo já ultrapassado? Existe uma ética no vestir?

O tema da nudez na moda, como nas restantes artes, não é simplesmente uma realidade a abordar sob o ponto de vista estético. Não se trata de avaliar se o desnudo é belo ou não. O corpo é algo intimamente ligado à pessoa: não podemos tratá-lo, portanto, como uma realidade objetiva separada do seu sentido mais amplo. O corpo é manifestação do indivíduo, da alma do homem, o corpo é uma parte, e muito importante, da própria pessoa. 

Além de ser parte do indivíduo, o corpo tem um
significado profundo quanto à comunicação das pessoas, revela-se como dom que, por sua vez, espera a resposta de uma doação. É um dom que recebe. É também a fonte de uma rica comunicação interpessoal.  Nesta comunicação é, portanto, o corpo o elemento por meio do qual se entrega a totalidade da pessoa. Por isso, quando o corpo sai desta esfera pessoal a que pertence e se converte em propriedade pública corre-se o risco de que perca a sua dignidade.

Mesmo no tema da arte, o fato de que o corpo humano se converta em objeto de consumo põe interrogações éticas. Já que, ao reproduzir-se o corpo humano ou ao mostrar-se ao público, o elemento de dom pessoal fica ameaçado, no sentido de que pode converter-se em matéria de abuso.
Todo o artista tem que encarar todas estas interrogações éticas ao tratar o corpo humano; também o desenhista, da mesma forma que os restantes artistas, tem que considerar a verdade do homem e a nudez da pessoa para respeitar certos limites éticos. Quando eu mostro uma modelo seminua numa passarela estou fazendo com que essa pessoa ofereça o seu corpo como dom de que muitos se apropriarão. É negar a evidência, rejeitar isto, quando observamos a reação de alguns indivíduos perante um vestido transparente.

No entanto, podia-se objetar que a ética não está naquele que desenha, mas naquele que olha. Isto é certo, mas só em parte. Teríamos que distinguir o "olhar para desejar" do simples olhar estético.
Todos temos a experiência de que é difícil conservar o olhar estético diante de um corpo, especialmente quando o corpo observado é de outro sexo, precisamente pelo que disse antes: um corpo não é uma realidade objetiva em si, senão que leva impresso o sentido da doação. Não sentimos o mesmo ao contemplar uma paisagem, já que o corpo humano tem um significado mais profundo que a paisagem. Por isso é mais difícil conservar o olhar estético ante uma fotografia, ou um modelo seminu, que ante uma escultura. De fato, os comentários mais ou menos soezes que se podem ouvir ante um cartaz publicitário de um filme sensual é raro ouvirem-se contemplando a Vênus de Milo.

Por isso, uma das fórmulas para conseguir que uma pessoa destrua a sua dignidade é fazer com que perca a sua intimidade e, em primeiro lugar, a corporal. É o doloroso caso dos métodos utilizados nos campos de concentração onde se obrigava os prisioneiros a desnudar-se diante dos seus verdugos e dos restantes companheiros. O homem quando se desnuda diante dos outros deixa-se ver, examinar no seu eu mais íntimo e coloca-se sem nenhuma defesa perante o mundo, perante os outros que podem ter uma ou outra reação.

Por isso, toda a pessoa para mostrar a intimidade do seu corpo tem que fazer violência sobre si mesma para destruir essa defesa que é o sentido do pudor que todos temos dentro de nós mesmos.

Ana Sánchez de la Nieta Hernández. Jornalista -  Do livro A Moda - Entre a Ética e a Estética, DIEL, 2000.

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