Não sei se ainda hoje as pessoas têm o costume de
colecionar objetos. Lembro-me bem de coleções de gibis - incluo aqui várias revistinhas infantis - rótulos e
tampas de garrafas, caixinhas de fósforos, lápis, chaveiros, bolinhas de gude,
estampas de sabonete Eucalol e fichas
de ônibus, só para citar algumas.
O “trocador” do ônibus
andava ou se exprimia entre os passageiros cobrando e dando troco. Dava também,
a cada um, uma ficha colorida como
prova de que a passagem tinha sido paga. A ficha era depositada numa caixa ao
lado do motorista quando se descia do
ônibus, quase sempre cheio. Formava-se então um pequeno tumulto na porta da
frente e algumas fichas caíam na pressa ou eram esquecidas nos bolsos. Andando pelas
ruas, achava-se essas fichas perdidas, ótimas de se colecionar. Eram de
várias cores, segundo as linhas de ônibus
.
Já as estampas do sabonete Eucalol era uma coleção para curiosos. Cada sabonete era embalado junto com
um cartão ilustrado que trazia informações sobe monumentos famosos, personagens
da história universal, animais curiosos, tipos de habitação, etc. Era uma
espécie de enciclopédia em forma de baralho. O difícil era esperar o sabonete
acabar para se conseguir uma nova carta para o baralho.
As mocinhas colecionavam também poemas e letras de
música. Copiavam tudo, com caneta
tinteiro, em bonitos cadernos enfeitados
com decalques de flores. Os decalques seriam nossos atuais adesivos, porém, sem
cola. Molhava-se levemente os decalques para passá-los depois, com muito cuidado, para o caderno.
Complicado, não?
Muitos adultos tinham
verdadeiras bibliotecas. Colecionavam
livros , até mesmo em capas de couro. Era bom de se ver.
Tudo isso passou, mas é bom
não esquecer. Tenho uma amiga que não guarda nada. Nem retrato de parentes.
Mas, se jogássemos tudo fora o que seria dos museus? Como se faria História?
Pensando nisso tudo,
lembrei-me de um poema que eu guardei para um dia refletir sobre o “Guardar”. O
poema é de Antônio Cícero.( Ed. Record)
GUARDAR
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por
ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro.
Do que um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se
publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
Agnes G. Milley