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sexta-feira, 20 de setembro de 2013

EmContando – 52 - Memórias

Morávamos em Weidenberg, na Alemanha, em 1946. Nosso lar era um quarto em um dos compridos barracões ao lado d
a estrada de ferro. Esses barracões tinham sido erguidos para alojar trabalhadores da estrada de ferro. Envelhecidos e abandonados agora abrigavam grupos de refugiados da guerra oriundos de vários países da Europa.

Minhas duas irmãs e eu cumpríamos juntas uma tarefa, diariamente. Anyi, nossa mãe, costurou três sacolinhas de pano florido e com elas íamos ao campo todas as manhãs para colher “sóska”. Da janela de nosso quarto, Anyi podia ver-nos trabalhando. Entre a grama alta e fina, escondiam-se folhas de “sóska”. Essas folhas eram comestíveis e lembravam as folhinhas de bertalha. Creme de “Sóska” era saboroso com batatas cozidas.

O campo das batatas ficava mais adiante. Anyi não podia ver-nos de casa. Colher batatas era um trabalho árduo. Os camponeses as recolhiam, mas sempre ficavam algumas para trás. Nós seguíamos em linha reta pelos sulcos deixados pelos arados, e revolvendo a terra, procurávamos as batatas perdidas. Sempre achávamos algumas. Depois de cozidas, guardávamos as cascas das batatas para tocá-las por um pouco de leite. Fazer essa troca era tarefa minha.

Depois da campina onde colhíamos “sóska” havia uma pequena plantação de hortaliças. Uma vez ou outra eu encontrava um velhinho lá, regando seus canteiros. Ele nunca se dirigiu a mim e eu também não lhe dizia nada. Seguindo adiante eu atravessava um pequeno regato de águas limpíssimas que cantava suavemente enquanto banhava as  pedras. Era ele que fazia as hortaliças crescer. Eu até gostava desse trecho de minha viagem.

Logo depois, meus passos me levavam para dentro de uma floresta que subia pela encosta de uma colina. Meus pés afundavam no espesso tapete formado por folhas e agulhas de pinheiros caídos no chão. O musgo verde me fazia escorregar e os galhos quebrados atrasavam meu caminhar. Muitas vezes surgia na minha frente um  coelho selvagem ou um veado mais assustado do que eu. Eram sustos, mas não medos, ainda. Medo me causavam os humanos. A alguma distância havia lenhadores trabalhando. Falavam alto, gritavam, diziam coisas que eu não compreendia. Não queria vê-los, não queria encontrá-los.

Depois das últimas árvores do bosque eu já podia ver a fumaça que subia mansamente da chaminé da casa da camponesa. Antes de chamá-la eu descansava um pouco. Precisava tomar fôlego. Frau Frida pegava as cascas e derramava um pouco de leite  fresco na minha leiteira de alumínio. Não me lembro se ela era gorda ou magra, bonita ou feia. Não me lembro se me sorria ou não. Recordo, apenas, que lhe  agradecia com tímido “Danke schön” e depois só pensava em estar em casa.

Numa tarde ensolarada decidi-me por uma aventura. Em vez de passar pela floresta pensei em alongar minha caminhada e voltar pela estrada. Chegaria mais tarde em casa, mas eu queria muito fazer algo diferente, mesmo que levasse uma reprimenda.

Andei com cuidado para não derramar o leite. Caminhava contente quando ouvi uma carroça se aproximar. Passou por mim rapidamente levantando uma grossa nuvem de poeira. Reconheci a menina que ia na boleira. Ela morava perto de nosso barracão. O pó baixou e eu continuei meu passeio até que, distraída, quase tropecei numa pequena bolsa amarela. Era linda! Eu nunca tinha tido uma bolsa. Queria muito ficar com ela.

Levei-a para casa e contei simplesmente que ela estava na beira da estrada. Anyi queria saber mais. Eu me atrapalhei e ela não se convenceu. Dormi mal naquela noite. Sonhei com os vizinhos, a estrada empoeirada e com a bolsa amarela caindo da carroça. Na manhã seguinte, Anyi fez-me levar a bolsa até a casa da menina. Bati no portão várias vezes. Era tão alto e eu tão baixinha! O portão rangeu e eu me vi frente a frente com a dona da bolsa. Ela riu com muitos “danke” agradeceu e fechou o portão.

 Agnes G. Milley

Um comentário:

Patricia disse...

Querida amiga!
Não dá nem pra começar a dizer o quanto essa narração poética e profunda tocou meu coração!

Por favor, pense sim em reunir essas MEMÓRIAS tuas da infância e colocá-las num livro! São momentos maravilhosos e tocantes, cada vez que as lemos...ACREDITE NISSO!

Você não imagina o BEM QUE FAZ escutar os pensamentos tão profundos e corajosos da CRIANÇA AGNES...só tive o privilégio de conhecê-la em adulta, mas só essa fase desde 1981 já me encheu de Esperança e Alegria em momentos difíceis da vida em que eu pude me mirar no teu exemplo de fortaleza, generosidade e doçura!

Imagino a alegria da Anyi por ver os filhos crescerem tão fortes e próximos de Deus, pelo exemplo de vida que ela mesmo deixou.

Que ELE abençôe muito a sua família toda!!! Abração apertado do fundo do meu coração.
Pat

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