Há alguns anos sou velhinha de carteirinha com direito a passe livre nos ônibus. O estranho é que se não houvesse RG e espelho eu não sentiria, como se costuma dizer, o peso dos anos. Muito pelo contrário, os anos não pesam muito, me libertam.
Foram-se as dores de cotovelo, as enxaquecas e muitas outras mazelas da juventude e da vida adulta. Visto-me com mais liberdade e encontrei bons calçados para acomodar meu joanete. Passaram também as dores na coluna cervical causadas pelas longas horas curvada sobre provas e trabalhos de meus alunos. Até a tendinite foi embora. Não carrego mais bolsas cheias de livros e de papéis. Procuro sentar-me ereta quando escrevo e até um câncer ficou para trás.
Com a graça de Deus, estou um pouco mais organizada, serena e tolerante. Olho para os mais jovens em suas ânsias, tropeços, erros e acertos. Sinto um calor na alma e penso: “Foi assim também comigo. Como sofri! E como devo ter feito outros sofrerem!”
“Ser idosa, então, é bom?” Eu diria que pode ser bom, assim como poder ser bom ser criança. Depende das circunstâncias e do modo de se ver a vida.
Há algo de surpreendente quando os outros veem a sua idade e você não se dá conta dela. Surpreendo-me, por exemplo, quando me oferecem lugar no ônibus. Não querendo ser indelicada, aceito e agradeço, mas muitas vezes parece-me que aquele que me cede o lugar precisa mais de repouso do que eu.
Outro dia, passei por um grupo de meninas que saía da Escolinha. Eram meninas bem pequenas, acompanhadas por inspetoras, e dirigiam-se para o orfanato onde vivem. De repente, senti a mãozinha quente de uma delas segurando a minha. Começamos a conversar enquanto a fila andava. Ela me fez uma porção de perguntas. Lembrando-me de meus tempos de professora, perguntei:
“Não, você parece uma avó.”
Mais surpreendente ainda foi o que me aconteceu na porta de um banco. Eu levava meus livros dentro de uma pequena mala. A porta giratória travou. Reclamei. Só havia papel na mala. O guarda tentou justificar-se com argumentos sem pé nem cabeça até que pressionado confessou ter travado a porta e disse:
“A senhora me desculpe, mas é que o último assalto, aqui, começou com uma senhora de idade.”
Certa vez, um senhor de mais de oitenta anos de idade descreveu sua velhice assim:
“Sinto que o tempo passa quando olho minha estante e conto os livros que já não terei tempo de ler.”
Isso me impressionou de verdade, uma vez que guardo volumes e mais volumes para ler quando eu tiver tempo, e pior, ainda compro livros.
Agora eu tenho um outro problema. Não me basta ler, quero também escrever. Há tantas histórias para contar!
Amigos dizem-me, com sabedoria:
“Tempo se faz.”
Eu tento.
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