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domingo, 5 de julho de 2009

O namoro – Um conto sobre o nosso cotidiano.


de Ariovaldo Esteves Roggerio. Conto registrado na Fundação Biblioteca Nacional

Transcrevo aqui um texto muito bom que vale a pena conferir na íntegra:

Verinha regressa da escola com ar de mulher fatal. Tem um brilho nos olhos, que esconde algo de mau. Joga os cadernos na poltrona e diz à mãe, que põe a mesa do almoço:
— Mãe, um menino da minha classe me perguntou se eu queria ficar com ele! Posso?!
...
— Que idade ele tem?!
— Nove anos.
Pasma, Lídia hesita sobre o que responder à filha de oito anos, e pensa por onde andam as coisas: viu namoro precoce na televisão e ouviu falar de alguns casos, mas não formou opinião sobre o assunto, pois não o imaginara batendo à sua porta.
A menina aguarda a resposta. Com receio de ser antiquada e não compreender a evolução dos tempos, a mãe coloca em dúvida suas convicções sobre o assunto, e afasta o mau pressentimento que lhe veio à cabeça. Então diz:
— Po...pode sim, filha... Mas só com ele!
Oferecida a resposta, a mãe retorna aos afazeres domésticos sem a tranquilidade de sempre. Remói aqui, remói ali; projeta uma coisa e outra, acrescenta uma pitada de futuro e perde a paz. Almoça só, pois a menina espirrou com o prato para diante do aparelho de televisão do próprio quarto. Lídia, inquieta, atravessa a tarde. À noite, mal chega o marido do trabalho, diz-lhe à queima-roupa:
— Beenhê, a Verinha me perguntou se podia ficar com um menino da classe dela! Que acha?
— Ficar! O que é isso?
— É uma espécie de namoro relâmpago, sem compromisso de estabilidade: hoje com um, amanhã com outro...
— Ah, ah, ah... Essa é boa! E o que você respondeu?
— Disse que poderia, mas só com um! Achei que assim seria mais fácil controlar.
— Bem, então está resolvido... Querida, você comprou cerveja pro jantar?
— Comprei.
— Boa! Hoje tem jogão de bola na tevê.
Amanhece outro dia. Lídia acorda com a angústia ainda aninhada no peito e a permissão dada à filha entalada na garganta. Enquanto prepara o café da menina, que se apronta para a escola, julga ser o marido, que partira para o trabalho, um avoado ao não pressentir o vírus que penetrou na filha, e pronto agirá após a fase de incubação. O que fazer? Desautorizar a menina sem argumentos convincentes? Tarefa impossível; Verinha sabe defender suas posições e contra-ataca com respostas certeiras e infindáveis perguntas que acuam em cheque-mate. Como traduzir à filha as razões de tanta inquietação?
Enquanto observa a menina a tomar o café, Lídia desliza entre os dedos, feito leque que abre e fecha, as páginas do livro que em vão tenta ler. A dança das páginas quebra o silêncio da sala e prendem os olhos da pequena. A mãe, sem saber como abordar o assunto do namoro, busca um pouco de paz convencendo-se de que exagera na apreciação da situação; que nada acontecerá a apenas duas crianças; que tal relacionamento será inconseqüente. Sua testa se franze em tais pensamentos. Diz para si:
—... Daria um montão de razões para impedir esse namoro; mas serão sustentáveis hoje em dia? Seria injusta se a proibisse?
Em tais conjecturas, soa a buzina da perua escolar em frente ao prédio. Verinha despede-se da mãe e corre até o elevador. Súbito, Lídia lança uma pergunta:
— Filha, e o que você fará ao ficar com ele?
— Ah, mãe, farei o que as minhas amigas fazem: beijar, abraçar e outras coisinhas. Tchau! — penetra no elevador.
E lá se vai para a mãe a relativa paz conseguida instantes atrás:
— Meu Deus, o que fazer?
E num movimento de desolação, Lídia cerra fortemente as pálpebras e debruça o rosto sobre os braços cruzados na mesa. Sente abaladas suas convicções:
— Tá tudo errado o que aprendi dos meus avós, e que ainda guardo no coração? Porcaria de dúvida...
Em meio a angústia vem-lhe a inspiração que a faz levantar repentinamente a cabeça:
— Mariana! Ela poderá me ajudar! Conheço algumas de suas filhas; e se são ótimas não é por acaso!
Animada a buscar conselho — dizem que é o primeiro ato da prudência —, Lídia corre ao telefone e conversa brevemente com Mariana, que entende o problema e se dispõe a ir visitar a amiga em seguida. Mas Lídia facilita as coisas indo ela a casa de Mariana, na Rua Santo Antonio. Chega às dez da manhã e, enquanto acrescenta outros detalhes ao relato antecipado no telefonema, é servida de chá. Por fim, diz:
— O que está acontecendo com as crianças, Mariana?

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