logo

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

EmContando – 50 - Uma Ideia toda azul

Um dia o Rei teve uma ideia.

Era a primeira da vida toda, e tão maravilhado ficou com aquela idéia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela nos  gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda idéia dele toda azul.

Brincaram até o Rei adormecer encostado  numa árvore.

Foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo.  Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a idéia poderia ter chamado a atenção de alguém. Bastaria esse  alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma ideia. Quem jamais saberia que já tinha dono?

Com a ideia escondida debaixo do manto, o Rei voltou para o Castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, saiu dos seus aposentos, atravessou salões, desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao Corredor das Salas do Tempo.

Portas fechadas, e o silêncio.

Que sala escolher?

Diante de cada porta o Rei parava, pensava, e seguia adiante. Até chegar à Sala do Sono. Abriu. Na sala acolchoada os pés do Rei afundavam até o tornozelo, o olhar se embaçava em gazes, cortinas e véus pendurados como teias. Sala de quase escuro, sempre igual. O Rei deitou a idéia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.

A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.

O tempo correu seus anos. Ideias o Rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais que mentiam a verdade. Apenas, sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.

Só os ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.

Posta a coroa na almofada, o Rei logo levou a mão à corrente.

“Ninguém mais se ocupa de mim”  - dizia  atravessando salões e descendo escadas a  caminho das Salas do Tempo – “ninguém  mais  me olha. Agora posso buscar minha linda idéia e guardá-la só para mim.”

Abriu a porta, levantou o cortinado.

Na cama de marfim, a ideia dormia azul como naquele dia.

Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma ideia menina. E linda. Mas o Rei não era mais o Rei daquele dia. Entre ele e a ideia  estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na Sala do Sono. Seus olhos  não viam na ideia a mesma graça. Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela?  Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.

Sentado na beira da cama o Rei chorou  suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza.

Depois baixou o cortinado, e deixando a ideia adormecida, fechou para sempre a porta.

ATENÇÃO Amigas e Amigos! Nunca deixem suas ideias, seus projetos adormecerem. 
                            
A autora dessa bela história é Marina Colasanti. O conto está em seu livro Uma Ideia Toda Azul. Editora NORDICA ( décima oitava edição).

Marina Colasanti nasceu na Etiópia (1937). Aos dois anos foi para a Itália e aos onze, veio para o Brasil. Estudou na Escola Nacional de Belas Artes (gravura em metal) e ingressou na imprensa em 1962, como redatora, ilustradora, colunista. Traduziu dezenas de livros. Publicou suas crônicas no Jornal do Brasil e seus contos em diversas revistas e suplementos.

Agnes G. Milley

3 comentários:

Patricia disse...

Que bela IDÉIA para ser compartilhada!

Liana Clara disse...

Por conta disso, hoje, estou cheia de ideias!! ahhahhah

Patricia disse...

Só esquecí que na nova ortografia não tem mais o acento agúdo na IDEIA...que pena! Eu adoro hífens, acentos, e o resto você já conhece, né?

Postar um comentário