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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

EmContando – 7

Na semana passada falamos sobre fábulas. Hoje trago para vocês um apólogo de Machado de Assis. Tanto a fábula como o apólogo são narrativas alegóricas de moral, geralmente dialogada, em que figuram como personagens animais ou seres inanimados. A palavra fábula vem do latim (fabula) e apólogo do grego (apólogos).


AGULHA OU LINHA, QUEM É A RAINHA?  (Um Apólogo) Recontado  por Paulo Bentancur para a Editora Projeto Ltda. Porto Alegre 1993
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
“Por que você está desse jeito, exibida, toda enrolada, fingindo que é grande coisa?”
“Me deixe em paz!”
“Ora, por quê? Digo que seu jeito é antipático, e vou dizer isso sempre que me der na cabeça.”
“Que cabeça? Você não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Por que implicar com a minha maneira de ser? Cada pessoa é diferente. Cuide de sua vida e me deixe ir adiante.”
“Que orgulhosa!”
“Sou e me garanto.”
“Não vejo razão para tanto.”
“Essa é boa! E os vestidos e enfeites de nossa  dona, quem é que os costura? Não sou   eu?”
“Você?! – ofendeu-se a agulha. – Agora não aguentei! Você não sabe que   quem os costura sou eu, e muito eu?”
“Você fura o pano, nada mais. Eu é que prendo um pedaço no outro, consigo deixar o tecido todo pregueadinho ...”
“Sim, mas e daí? Eu furo o pano, vou adiante, puxo você, que vem atrás obedecendo ao que faço e mando ...”
“Também os batedores vão na frente do imperador.”
“Você é imperador?” – perguntou a agulha, debochando.
“Não digo isso. Mas a verdade é que você não é importante: só mostra o caminho, seu trabalho é inferior. Eu é que prendo, ligo, ajunto ...”
Nesse momento a costureira chegou na casa da esposa do Ministro, onde moravam a agulha e o novelo de linha.
Não me lembro se contei que a costureira andava sempre atrás da esposa do Ministro, para que a esposa do Ministro não precisasse andar atrás dela.
Pois bem, chegou a costureira, pegou o pano, pegou a agulha, pegou a linha, enfiou a linha na agulha e começou a costurar. As duas – agulha e linha – iam andando orgulhosas, pelo pano adiante (aliás, uma seda das melhores). Entre os dedos da costureira, a agulha, ágil como uma atleta dizia:
“E aí, dona linha, ainda teima comigo? Não vê que esta distinta costureira só se importa com a mamãe aqui? É   a mim que a mãozinha dela agarra, furando embaixo e em cima.”
A linha não respondia, só ia andando. O buraco que a  agulha abria a linha enchia logo, quieta mas decidida, como quem sabe o que está fazendo e não perde tempo em escutar bobagens. A agulha, vendo que a outra não lhe dava resposta, calou também e dedicou-se ao trabalho.
Era o maior dos silêncios na salinha de costura. Se ouvia o plic, plic, plic, plic da agulha no pano e nada mais.
Já era quase de noite quando a costureira dobrou o tecido, para continuar no dia seguinte: continuou nesse e em mais outro, até que no quarto e último dia de muito esforço e, pelo jeito, alguma discussão, ficou pronto o vestido. Agora era esperar pelo baile.
Veio a noite do baile, e a esposa do Ministro vestiu-se, auxiliada pela costureira que trazia a agulha para qualquer emergência. Afinal, às vezes é necessário dar um ponto a mais.
Enquanto alisavam o vestido, puxando aqui e ali, abotoando, a linha, desafiando a agulha, perguntou:
“E agora? Quem é que vai ao baile, no corpo desta mulher, fazendo parte do vestido e da sua beleza? Quem é que vai dançar com o Ministro, enquanto você volta pra caixinha da costureira? Vamos, responda!”
Parece que  a agulha ficou bem quietinha. No entanto, um alfinete, de cabeça grande e experiência maior ainda, cochichou pra pobre agulha:
“Viu, sua boba? Você cansou de abrir caminho para ela e ela é que vai aproveitar, enquanto você volta pra caixinha de costura. Faz como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam eu fico.”
Contei esta história a um amigo que, com muita tristeza, me disse:
“Eu também tenho servido de agulha a muita linha sem valor.”    
Obs.: Acho que esta história se presta a uma larga discussão. Quem afinal tinha razão, a agulha, a linha, o alfinete, o narrador ou o amigo do narrador? Uma coisa é certa: cada pessoa pensa diferente. Eu, por mim, prefiro pensar em trabalho de equipe.
                                                                                     Agnes G. Milley

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