AGULHA
OU LINHA, QUEM É A RAINHA? (Um Apólogo) Recontado por Paulo Bentancur para a Editora Projeto
Ltda. Porto Alegre 1993
Era
uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
“Por
que você está desse jeito, exibida, toda enrolada, fingindo que é grande
coisa?”
“Me
deixe em paz!”
“Ora,
por quê? Digo que seu jeito é antipático, e vou dizer isso sempre que me der na
cabeça.”
“Que
cabeça? Você não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Por que implicar
com a minha maneira de ser? Cada pessoa é diferente. Cuide de sua vida e me
deixe ir adiante.”
“Que
orgulhosa!”
“Sou
e me garanto.”
“Não
vejo razão para tanto.”
“Essa
é boa! E os vestidos e enfeites de nossa
dona, quem é que os costura? Não sou eu?”
“Você?!
– ofendeu-se a agulha. – Agora não aguentei! Você não sabe que quem os
costura sou eu, e muito eu?”
“Você
fura o pano, nada mais. Eu é que prendo um pedaço no outro, consigo deixar o
tecido todo pregueadinho ...”
“Sim,
mas e daí? Eu furo o pano, vou adiante, puxo você, que vem atrás obedecendo ao
que faço e mando ...”
“Também
os batedores vão na frente do imperador.”
“Você
é imperador?” – perguntou a agulha, debochando.
“Não
digo isso. Mas a verdade é que você não é importante: só mostra o caminho, seu
trabalho é inferior. Eu é que prendo, ligo, ajunto ...”
Nesse
momento a costureira chegou na casa da esposa do Ministro, onde moravam a
agulha e o novelo de linha.
Não
me lembro se contei que a costureira andava sempre atrás da esposa do Ministro,
para que a esposa do Ministro não precisasse andar atrás dela.
Pois
bem, chegou a costureira, pegou o pano, pegou a agulha, pegou a linha, enfiou a
linha na agulha e começou a costurar. As duas – agulha e linha – iam andando
orgulhosas, pelo pano adiante (aliás, uma seda das melhores). Entre os dedos da
costureira, a agulha, ágil como uma atleta dizia:
“E
aí, dona linha, ainda teima comigo? Não vê que esta distinta costureira só se
importa com a mamãe aqui? É a mim que a
mãozinha dela agarra, furando embaixo e em cima.”
A
linha não respondia, só ia andando. O buraco que a agulha abria a linha enchia logo, quieta mas
decidida, como quem sabe o que está fazendo e não perde tempo em escutar
bobagens. A agulha, vendo que a outra não lhe dava resposta, calou também e
dedicou-se ao trabalho.
Era
o maior dos silêncios na salinha de costura. Se ouvia o plic, plic, plic, plic
da agulha no pano e nada mais.
Já
era quase de noite quando a costureira dobrou o tecido, para continuar no dia
seguinte: continuou nesse e em mais outro, até que no quarto e último dia de
muito esforço e, pelo jeito, alguma discussão, ficou pronto o vestido. Agora
era esperar pelo baile.
Veio
a noite do baile, e a esposa do Ministro vestiu-se, auxiliada pela costureira
que trazia a agulha para qualquer emergência. Afinal, às vezes é necessário dar
um ponto a mais.
Enquanto
alisavam o vestido, puxando aqui e ali, abotoando, a linha, desafiando a
agulha, perguntou:
“E
agora? Quem é que vai ao baile, no corpo desta mulher, fazendo parte do vestido
e da sua beleza? Quem é que vai dançar com o Ministro, enquanto você volta pra
caixinha da costureira? Vamos, responda!”
Parece
que a agulha ficou bem quietinha. No
entanto, um alfinete, de cabeça grande e experiência maior ainda, cochichou pra
pobre agulha:
“Viu,
sua boba? Você cansou de abrir caminho para ela e ela é que vai aproveitar,
enquanto você volta pra caixinha de costura. Faz como eu, que não abro caminho
para ninguém. Onde me espetam eu fico.”
Contei
esta história a um amigo que, com muita tristeza, me disse:
“Eu
também tenho servido de agulha a muita linha sem valor.”
Obs.:
Acho
que esta história se presta a uma larga discussão. Quem afinal tinha razão, a
agulha, a linha, o alfinete, o narrador ou o amigo do narrador? Uma coisa é
certa: cada pessoa pensa diferente. Eu, por mim, prefiro pensar em trabalho de
equipe.
Agnes G. Milley
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