Assim como em “Meu Pé de Laranja Lima” , Zezé conversava com sua árvore predileta, Zé Orocó , em “Rosinha Minha Canoa”, se deliciava com as histórias que sua canoa lhe contava sobre as matas, os bichos e as águas do Araguaia. Zé Orocó subia e descia o grande rio, ano após ano, e em sua silenciosa solidão era a Rosinha sua mais íntima companheira. Zé Orocó era louco? Muitos pensavam que sim.
José Mauro de Vasconcellos criou esses dois romances e muitos mais. Ser filho de índia o fazia, naturalmente, profundo conhecedor e amante da natureza.
Hoje, vou contar como José Mauro descreve em “Rosinha, Minha Canoa” o nascimento de uma árvore. É um presente de primavera para vocês.
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Impressionante o cheiro de terra que comprimia o seu corpo de semente. No começo, quando o vento a lançara sobre o solo, tinha algum movimento, mas depois o mesmo vento, como se cumprisse uma missão, viera rodopiando, até a cobrir de areia. Aos poucos foi conseguindo respirar, até se acostumar com aquele aprisionamento. Alguma coisa garantia não durar muito ... Uma angústia enorme invadia toda a insignificância do seu ser, porque a terra, sempre escura, não contava nada do que se passava do lado de fora. Verdade era que tinha saudade do Sol e dos cantos dos pássaros: entretanto, acalmava-se e tentava compreender que aquele mistério fazia parte necessariamente de sua transformação.
E os dias iam passando, compridos e iguais, aumentando cada vez mais as horas de calor. Às vezes, vermes escorregadios tocavam no seu corpo nervoso e isso fazia com que desejasse voltar ao mundo antigo.
Não podia falar porque a terra quente, abafando tudo, transformava suas palavras em silêncio. Pensou em outras sementes aprisionadas, sofrendo também a mesma angústia da humilde espera.
Até que um dia, uma absoluta calma substituiu seus pequenos frêmitos e uma espécie de sono paralisou-a: só foi despertada por um grande ruído. A terra estremecia de medo porque a natureza trovejava. Sentiu o baque da chuva sobre o solo e o cheiro gostoso do chão que estava sendo molhada. Depois ... as gotas de chuva introduzindo-se, infiltrando-se até ao âmago da terra... Vinham cansadas da longa viagem feita do céu através do espaço zangado ...
A alma da sementinha despertou porque as gotas se aproximavam cada vez mais. Até que seu dorso foi arrepiado pela frialdade do líquido e uma voz clara falou:
“ Ei, menininha! Agora você pode libertar-se: agora você pode perfurar a terra e alcançar a liberdade.
A muito custo ela abriu os olhos de semente e gaguejou:
“Boa noite, senhora!” A gota d’água riu:
“ Não é noite, não, menininha. É dia! ...
“ Como podia saber, se aqui sempre é tão escuro? ...” A chuva riu.
A semente perguntou amedrontada:
“ Como é que a senhora sabe de tudo?”
“Ora, meu bem, eu sou uma velha chuva, cansada de ser chuva.”
“ Para onde a senhora vai agora?”
“ Agora? Vou, juntamente com as minhas irmãs, criar uma nascente que, com o correr dos anos, virará um grande rio. Durante muito tempo serei esse rio, até que um arco-íris me beba e me transforme de novo em chuva ...”
“ E a senhora fica sendo chuva a vida inteira?” A gota d’água sentiu-se triste e respondeu, com a voz emocionada:
“ Um animal poderá me engolir e, então, tudo se acabará. Depois disso não poderei dizer mais nada. Volto então aos meus velhos pensamentos: Não sei nunca por que nasci e nem para onde irei. Afinal, nós todos somos assim ...” A chuva calou-se.
“ A senhora deve estar muito cansada, não?” A semente havia notado que a chuva chorava e tentava disfarçar, enquanto respondia:
“ Um pouquinho, mas agora posso dormir umas horicas antes de prosseguir”
“ E eu?”
“ Que é isso, meu bem? Você está tremendo toda!”
“Ah! Dona Chuva, estou com tanto medo de nascer ...”
“Bobagem ... Vamos, eu ajudo!”
Sua angústia renasceu e sua voz saiu meio tremula:
“ Mas eu não sei por onde nascer ... “ Os dedos de Dona Chuva apalparam seu dorso e pararam em determinado ponto.
“Deve ser aqui. A casca está bem fininha: vou amolecer mais e você fará também um esforço ...”
Não disse mais nada. Foi contendo a respiração. Mais e mais. E ainda mais. Sentia que ia estourar. Devia estar quase roxa de tanto esforço. Alguma coisa se lhe abalava por dentro: deviam ser os bracinhos de folha. A chuva disse novamente:
“Tente outra vez.” Forçou o ar de dentro e uma grande dor a estremeceu. Parecia que se rachava a casca, de alto a baixo. A ponta de um de seus braços projetou-se para fora.
“ Ai! Que dor! ... Ui! Que frio! ... A chuva riu grosso:
“É assim mesmo. Agora o outro bracinho.” Foi puxando o outro braço da folha e dessa vez já não sentiu doer tanto. E, mesmo, a vida fora da casca assemelhava-se a uma nova aventura: sentiu, então curiosa sensação.
O contato de seu corpinho fraco, miudinho, com a terra úmida enchia-lhe a vida de um novo encanto. A chuva bocejou:
“ Viu, minha filha? Não é assim tão difícil nascer.”
“ Mas dói um pouco ...”
“ Se não doesse a vida não teria preço. Agora trate de caminhar. Você precisa sair, andar, perfurar a distância que existe até ao outro lado. E como você não tem prática, vai levar todo o resto desta noite ... Agora, adeus ... vou cochilar.” A chuva reclinou-se para um lado e antes de dormir de todo ainda falou com ternura:
“ Você vai achar a vida linda ... sempre depois que chove ...” Bocejou mais forte e parece que nem escutou todo o agradecimento do seu coração vegetal:
“Obrigada, Dona Chuva ...”
E foi assim que nasceu uma plantinha frágil e verdinha que se transformaria num belíssimo pé de canjirana-branca .
Obs.: Desculpem se a história foi um pouco longa, mas valeu a pena? Agnes G. Milley
José Mauro de Vasconcellos criou esses dois romances e muitos mais. Ser filho de índia o fazia, naturalmente, profundo conhecedor e amante da natureza.
Hoje, vou contar como José Mauro descreve em “Rosinha, Minha Canoa” o nascimento de uma árvore. É um presente de primavera para vocês.
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Impressionante o cheiro de terra que comprimia o seu corpo de semente. No começo, quando o vento a lançara sobre o solo, tinha algum movimento, mas depois o mesmo vento, como se cumprisse uma missão, viera rodopiando, até a cobrir de areia. Aos poucos foi conseguindo respirar, até se acostumar com aquele aprisionamento. Alguma coisa garantia não durar muito ... Uma angústia enorme invadia toda a insignificância do seu ser, porque a terra, sempre escura, não contava nada do que se passava do lado de fora. Verdade era que tinha saudade do Sol e dos cantos dos pássaros: entretanto, acalmava-se e tentava compreender que aquele mistério fazia parte necessariamente de sua transformação.
E os dias iam passando, compridos e iguais, aumentando cada vez mais as horas de calor. Às vezes, vermes escorregadios tocavam no seu corpo nervoso e isso fazia com que desejasse voltar ao mundo antigo.
Não podia falar porque a terra quente, abafando tudo, transformava suas palavras em silêncio. Pensou em outras sementes aprisionadas, sofrendo também a mesma angústia da humilde espera.
Até que um dia, uma absoluta calma substituiu seus pequenos frêmitos e uma espécie de sono paralisou-a: só foi despertada por um grande ruído. A terra estremecia de medo porque a natureza trovejava. Sentiu o baque da chuva sobre o solo e o cheiro gostoso do chão que estava sendo molhada. Depois ... as gotas de chuva introduzindo-se, infiltrando-se até ao âmago da terra... Vinham cansadas da longa viagem feita do céu através do espaço zangado ...
A alma da sementinha despertou porque as gotas se aproximavam cada vez mais. Até que seu dorso foi arrepiado pela frialdade do líquido e uma voz clara falou:
“ Ei, menininha! Agora você pode libertar-se: agora você pode perfurar a terra e alcançar a liberdade.
A muito custo ela abriu os olhos de semente e gaguejou:
“Boa noite, senhora!” A gota d’água riu:
“ Não é noite, não, menininha. É dia! ...
“ Como podia saber, se aqui sempre é tão escuro? ...” A chuva riu.
A semente perguntou amedrontada:
“ Como é que a senhora sabe de tudo?”
“Ora, meu bem, eu sou uma velha chuva, cansada de ser chuva.”
“ Para onde a senhora vai agora?”
“ Agora? Vou, juntamente com as minhas irmãs, criar uma nascente que, com o correr dos anos, virará um grande rio. Durante muito tempo serei esse rio, até que um arco-íris me beba e me transforme de novo em chuva ...”
“ E a senhora fica sendo chuva a vida inteira?” A gota d’água sentiu-se triste e respondeu, com a voz emocionada:
“ Um animal poderá me engolir e, então, tudo se acabará. Depois disso não poderei dizer mais nada. Volto então aos meus velhos pensamentos: Não sei nunca por que nasci e nem para onde irei. Afinal, nós todos somos assim ...” A chuva calou-se.
“ A senhora deve estar muito cansada, não?” A semente havia notado que a chuva chorava e tentava disfarçar, enquanto respondia:
“ Um pouquinho, mas agora posso dormir umas horicas antes de prosseguir”
“ E eu?”
“ Que é isso, meu bem? Você está tremendo toda!”
“Ah! Dona Chuva, estou com tanto medo de nascer ...”
“Bobagem ... Vamos, eu ajudo!”
Sua angústia renasceu e sua voz saiu meio tremula:
“ Mas eu não sei por onde nascer ... “ Os dedos de Dona Chuva apalparam seu dorso e pararam em determinado ponto.
“Deve ser aqui. A casca está bem fininha: vou amolecer mais e você fará também um esforço ...”
Não disse mais nada. Foi contendo a respiração. Mais e mais. E ainda mais. Sentia que ia estourar. Devia estar quase roxa de tanto esforço. Alguma coisa se lhe abalava por dentro: deviam ser os bracinhos de folha. A chuva disse novamente:
“Tente outra vez.” Forçou o ar de dentro e uma grande dor a estremeceu. Parecia que se rachava a casca, de alto a baixo. A ponta de um de seus braços projetou-se para fora.
“ Ai! Que dor! ... Ui! Que frio! ... A chuva riu grosso:
“É assim mesmo. Agora o outro bracinho.” Foi puxando o outro braço da folha e dessa vez já não sentiu doer tanto. E, mesmo, a vida fora da casca assemelhava-se a uma nova aventura: sentiu, então curiosa sensação.
O contato de seu corpinho fraco, miudinho, com a terra úmida enchia-lhe a vida de um novo encanto. A chuva bocejou:
“ Viu, minha filha? Não é assim tão difícil nascer.”
“ Mas dói um pouco ...”
“ Se não doesse a vida não teria preço. Agora trate de caminhar. Você precisa sair, andar, perfurar a distância que existe até ao outro lado. E como você não tem prática, vai levar todo o resto desta noite ... Agora, adeus ... vou cochilar.” A chuva reclinou-se para um lado e antes de dormir de todo ainda falou com ternura:
“ Você vai achar a vida linda ... sempre depois que chove ...” Bocejou mais forte e parece que nem escutou todo o agradecimento do seu coração vegetal:
“Obrigada, Dona Chuva ...”
E foi assim que nasceu uma plantinha frágil e verdinha que se transformaria num belíssimo pé de canjirana-branca .
Obs.: Desculpem se a história foi um pouco longa, mas valeu a pena? Agnes G. Milley
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