Temos
conversado sobre fábulas e apólogos em nossos últimos encontros. Não desejo
cansar vocês com esse assunto, mas encontrei duas versões bem distintas de uma das fábula de Esopo, não
muito conhecida, e gostaria de mostrá-las a vocês. Os escritores que se
interessam por esse gênero de literatura dão pinceladas bem diferentes ao tema
principal e eu acho isso muito interessante. Só sinto não possuir a primeira, a
versão original de Esopo. Como ele não escreveu nada, apenas contou, seria
realmente difícil chegar à história que ele criou. Outra curiosidade é que nessa fábula, por
exceção, a personagem principal não é um animal nem um objeto inanimado. É uma menina que nos dá a
lição:
A
Vendedora de Leite e o Balde ( Texto em português de Guilherme Figueiredo )
Uma vendedora de leite
ia a caminho do mercado. Na cabeça, levava um grande balde de leite. Enquanto
andava, ia pensando no dinheiro que ganharia com a venda do leite:
“ Vou comprar umas
galinhas. As galinhas vão botar ovos todos os dias. Vendo os ovos a bom preço.
Com o dinheiro dos ovos, compro uma saia e um chapéu novos. De que cor? Verde,
tudo verde, que é a cor que me assenta bem. Irei ao mercado de vestido novo. Os
rapazes vão me admirar, e me acompanhar, e me dizer galanteios, e eu sacudirei
a cabeça ... assim!”
E sacudiu a cabeça. O
balde caiu no chão e o leite todo espalhou-se. A vendedora de leite voltou com
o balde vazio.
“Não se deve contar hoje
com os lucros de amanhã.”
A
Menina do Leite ( Monteiro Lobato )
Laurinha, no seu vestido
novo de pintas vermelhas, chinelas de bezerro, treque, treque, treque, lá ia
para o mercado com uma lata de leite à cabeça – o primeiro leite da sua
vaquinha mocha. Ia contente da vida, rindo-se e falando sozinha.
“Vendo o leite – dizia –
e compro uma dúzia de ovos. Choco os ovos e antes de um mês já tenho uma dúzia
de pintos. Morrem... dois, que sejam, e crescem dez – cinco frangas e cinco
frangos. Vendo os frangos e crio as frangas, que crescem e viram ótimas
botadeiras de duzentos ovos por ano cada uma. Cinco mil ovos! Choco tudo e lá
me vêm quinhentos galos e mais outro tanto de galinhas. Vendo os galos. A dois cruzeiros cada um – duas vezes
cinco, dez ... Mil cruzeiros! ... Posso então comprar doze porcas de cria e
mais uma cabrita. As porcas dão-me, cada uma, seis leitões. Seis vezes doze...
Estava a menina neste
ponto quando tropeçou, perdeu o equilíbrio e, com lata e tudo, caiu um grande
tombo no chão.
Pobre Laurinha!
Ergueu-se chorosa, com
um ardor de esfoladura no joelho: e enquanto espanava as roupas sujas de pó,
viu sumir-se, embebido pela terra seca o primeiro leite da sua vaquinha mocha
com ele os doze ovos, as cinco botadeiras, os quinhentos galos, as doze porcas
de cria, a cabritinha – todos os belos sonhos da sua ardente imaginação...
De
algum tempo para cá, há uma tendência entre escritores e contadores de
histórias de não se destacar a moralidade da história, deixando a conclusão por
conta do leitor ou do ouvinte. Isso naturalmente fica a critério de quem conta.
Monteiro Lobato, inteligentemente, extrai a moralidade dessa história num
diálogo entre Narizinho e Dona Benta. Ela Conclui: ... “não devemos contar com uma coisa
antes de a termos conseguido...”
Obs.:
La Fontain também recontou essa
história, de forma bem longa e rimada. Se algum de vocês quiser ler também essa
versão, posso postá-la, é só pedir.
Agnes G. Milley
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