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sábado, 15 de outubro de 2011

Perdoar ou perdoar-se

Por Maria Teresa Serman
Tem se falado sobre o perdão ultimamente. Desde o evangelho de domingo, em que Pedro perguntava ao Senhor quantas vezes deveria perdoar ao irmão, ao que Ele responde “Setenta vezes sete”, querendo se referir a um número infinito, a uma entrevista no jornal, em agosto passado, de um conhecido psicanalista, sobre o tema. São vários os pontos sobre o ato de perdoar que este propõe, e que vamos comentar aqui.

Em primeiro lugar, o profissional enfatiza que devemos perdoar a pessoa, pois o ato em si é sempre imperdoável. Não é o que recomenda a doutrina cristã, que nos considera a todos passíveis de qualquer erro, não nos colocando uns acima dos outros, em situação mais, ou menos, propensa a cometer faltas. Ele rejeita o que denomina “uma perspectiva sublime e religiosa de que somos capazes de apagar tudo”. Talvez não sejamos capazes de apagar, mesmo querendo perdoar de todo o coração, e nem o consigamos por bastante tempo, mas a renovada intenção de perdoar não guardando rancor, alicerçada pela certeza de que não somos melhores do que nossos ofensores, irá tornando a lembrança da ofensa bem tênue, a ponto de parecer um simples rabisco na memória. É claro que esse processo dependerá da gravidade da ofensa e da importância do agressor para nós.

Há um aspecto muito interessante na sua proposição, o de que não perdoar produz no ofendido doenças psicossomática em vários graus. Na verdade, o ressentimento e, ainda mais, o desejo de vingança, envenena os que se deixam dominar por ele, adoentando-os e tirando sua esperança, o que torna muito mais trágica a situação provocada pelo fato em termos concretos. Contudo, mais uma vez discordamos, o perdoar para ficar bem não leva a uma vida livre dos efeitos da dor provocada pelo erro, porque se fundamenta no amor-próprio, não em um amor fraterno, esse sim libertador.

Destacamos essa frase que se encontra na entrevista: “O perdão é um investimento afetivo numa relação que se quer manter”. Não deixa de ser verdade, mas deve ir muito além disso. O perdão é uma dádiva que emana de um coração ferido para outro, sem buscar algo em troca, ainda que se espere não ser ferido outra vez. Nesse ponto, ele fala especificamente da infidelidade conjugal e da importância de, antes de perdoar, entender a razão que levou a outra pessoa a fazer o que fez. Essa abordagem terapêutica é sim, fundamental, para que a convivência harmoniosa possa se restabelecer ou continuar.

Por último, percebemos uma colocação que consideramos equivocada, ainda que bem colocada em alguns aspectos – a de que os pais andam perdoando demasiadamente os filhos, em vez de educá-los e, se necessário, puni-los. E ele enfatiza sabiamente que esse pseudo-amor incondicional dos pais que tudo permitem está criando “pequenos monstros”, como ressalta, sem limites e respeito aos demais. A isso se acrescenta a necessidade de compensação, no jargão psicanalítico, de alguns que dão coisas aos filhos em excesso, buscando compensar o que não tiveram na infância ou adolescência, e estragando por completo a vontade destes.

Na realidade, relevar os desmandos dos filhos não se enquadra verdadeiramente na essência do perdão, é só uma fraqueza ou a preguiça de ensinar e reprimir quando necessário, pois isso, como ele mesmo indica: “dá trabalho”. E essa leniência não tem nada a ver com a mãe que perdoa, ou “que se doa por completo”, nas suas palavras. Pais devem se doar por completo, e isso não significa que esperam o mesmo dos filhos. Isso seria uma ilusão, alimentada por uma troca egoísta, pois os filhos, por melhores que sejam, não são obrigados a retribuir todo o sacrifício que os pais fizeram por eles, sacrifícios e renúncias naturais ao estado da paternidade. Espera-se que os filhos os respeitem, que cuidem deles na velhice com carinho e solicitude, que os amem muito, se lhes deram o exemplo. Enfim, “amor com amor se paga” pertence ao âmbito da justiça, da misericórdia, mas não da obrigação a ser cobrada. E mais, o exemplo do amor sacrificado dos pais – e aqui se compreenda “sacrificado” no sentido cristão do termo, de doação sem limites, feliz pela entrega – vai naturalmente incutir nos filhos o mesmo comportamento em relação aos seus próprios filhos.

2 comentários:

Stella disse...

Um dos casos mais impressionantes de perdão é o da sobrevivente do massacre de Ruanda, Immaculée Ilibagiza. Sua amizade com Deus se aprofundou nos 3 meses em que ficou presa num banheiro minúsculo, junto com outras mulheres tutsis. O que poderia virar trauma ou ressentimento, enriqueceu a personalidade da engenheira africana.

Liana Clara disse...

Um excelente exemplo, Stella. É emocionante ler "sobrevivi pra contar" . Sempre tem muitas lições de vida para nós. E de perdão então, nem se fala, é com ela mesma.

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