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quinta-feira, 8 de abril de 2010

Da semelhança entre cigarras e formigas

Texto de: Rafael Carneiro Rocha

Certa vez, eu assisti a um recolhimento em que o padre falava sobre o aproveitamento do tempo. Em seu discurso muito bem humorado, ele nos fazia rir sobre o absurdo irremediável que move tanto o hedonista, que quer gozar o dia ao máximo, como o burguês inconsequente, que transfere o seu gozo para um futuro potencialmente coroado de patrimônios. Se a ideia é buscar um sentido para a vida, os dois tipos de gozo são fadados ao fracasso, porque existem os dados irreversíveis da passagem do tempo e da morte.

O viver feliz que geralmente imaginamos é resultado de uma tensão que tentamos resolver entre aproveitar o dia ou construir o amanhã. É a tensão que existe quando nos perguntamos se os nossos cônjuges serão aquelas figuras festivas e sensuais ou se serão aquelas figuras comportadas e previsíveis – e isto vale tanto para os homens como para as mulheres. É também a tensão que existe quando nos perguntamos se vale a pena lutar por um emprego cansativo que gera um bom retorno financeiro ou se o ideal seria uma vida que permitisse mais tempo para estar entre pessoas queridas, viajar e festejar.

Fatalmente, fazemos escolhas. Penso ser um tanto mais sensato optar por segurança e estabilidade, mas eu penso que quaisquer que sejam as nossas escolhas, aquilo que não optamos pode nos inquietar em maior ou menor grau. Numa certa altura, a moça que escolheu o rapaz dos prazeres da vida poderá se perguntar por que não se casou com aquele almofadinha que gostava dela, e o sujeito que escolheu um trabalho público bem remunerado poderá se perguntar por que não optou por abrir uma pousada na praia.

Muitas vezes são inquietações dolorosas, porque não raro temos a escolha entre a aventura ou a estabilidade como aquilo que trará o sentido principal de nossas vidas. Porém, por mais nobres que sejam, as ocupações de nossas vidas não podem ser a aspiração máxima de nossas almas . O tempo passa, todos morremos e as nossas ações, ainda que algumas das mais grandiosas, como trazer as Olimpíadas para o Brasil em 2016 ou descobrir a cura de uma doença, no plano da eternidade, estão fadadas ao pó e às cinzas.

Por mais que eu não concorde com os melancólicos, há algo de sincero quando lamentam algumas inevitabilidades. A cigarra que canta e a formiga que trabalha podem ser figuras igualmente sofredoras. Porque eu penso que mais do que cantar e trabalhar, essas personagens podem fazer coisas muito mais interessantes.

Ora, o sentido principal da vida é simplesmente amar. Radicalmente. Não pode haver sentido em questionar com amarguras as opções que tomamos em nossas vidas, porque todas elas nos trazem a possibilidade de amar.

Receber a existência é o presente amoroso de Deus. É um diamante bruto que temos de lapidar. Se pensarmos num sentido para a vida, o único que pode haver na inevitabilidade do tempo que se consome, é se levamos ou não a existência como uma criatividade de amor.

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