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quinta-feira, 12 de junho de 2014

A ética do desnudo

O tema da nudez na moda, como nas restantes artes, não é simplesmente uma realidade a abordar sob o ponto de vista estético. Não se trata de avaliar se o desnudo é belo ou não. O corpo é algo intimamente ligado à pessoa humana: não podemos tratá-lo, portanto, como uma realidade objetiva separada do seu sentido mais amplo. O corpo é manifestação do indivíduo, da alma do homem, o corpo é uma parte, e muito importante, da própria pessoa.

Quando perguntamos como é certo ser humano, é frequente que comecemos por descrever o seu corpo: se é alto ou baixo, loiro ou moreno, gordo ou magro. O resto das suas qualidades espirituais, a sua inteligência, modo de ser, caráter, etc., inserem-se nesse físico e inclusive algumas realidades, como o temperamento, vêm determinadas precisamente pelas características corporais. Compreende-se, portanto, que, sendo o corpo parte da pessoa, o seu tratamento estético não pode ser desvinculado da ética.

Mesmo no tema da arte, o fato de que o corpo humano se converta em objeto de consumo põe interrogações éticas. Já que, ao reproduzir-se o corpo humano ou ao mostrar-se ao público, o elemento de dom pessoal fica ameaçado, no sentido de que pode converter-se em matéria de abuso. Já não é um corpo que se entrega como dom a outra pessoa que se dá em reciprocidade; nestes casos, o receptor é desconhecido, anônimo e a resposta inexistente ou imprevista.

Todo o artista tem que encarar todas estas interrogações éticas ao tratar o corpo humano; também o desenhista, da mesma forma que os restantes artistas, tem que considerar a verdade do homem e a nudez da pessoa para respeitar certos limites éticos. Quando eu mostro uma modelo seminua numa passarela estou fazendo com que essa pessoa ofereça o seu corpo como dom de que muitos se apropriarão (ainda que não seja de uma forma material). É negar a evidência rejeitar isto quando observamos a reação de alguns indivíduos perante um vestido transparente.

No entanto, podia-se objetar que a ética não está naquele que desenha, mas naquele que olha. Eu posso assistir a uma passagem numa passarela e contemplar esteticamente os corpos dos modelos ou posso apropriar-me deles e mesmo abusar com a minha imaginação. Isto é certo, mas só em parte. Teríamos que distinguir o "olhar para desejar" do simples olhar estético.

Há uma relação entre a intimidade pessoal e corporal. "As duas vão a par, porque a pessoa é corpo e espírito. (...) Como a pessoa é indissociavelmente corporal, para criar um espaço de intimidade espiritual, de riqueza interior pessoal, tem de se criar um âmbito de intimidade corporal".

Por isso, uma das fórmulas para conseguir que uma pessoa destrua a sua dignidade é fazer com que perca a sua intimidade e, em primeiro lugar, a corporal. É o doloroso caso dos métodos utilizados nos campos de concentração onde se obrigava os prisioneiros a desnudar-se diante dos seus verdugos e dos restantes companheiros. O homem quando se desnuda diante dos outros deixa-se ver, examinar no seu eu mais íntimo e coloca-se sem nenhuma defesa perante o mundo, perante os outros que podem ter uma ou outra reação.

Por isso, toda a pessoa para mostrar a intimidade do seu corpo tem que fazer violência sobre si mesma para destruir essa defesa que é o sentido do pudor que todos temos dentro de nós mesmos.

Ana Sánchez de la Nieta Hernández. Jornalista, colabora em diversos meios de comunicação sobre temas de juventude, universidade, moda e cinema.
Do livro A Moda - Entre a Ética e a Estética, DIEL, 2000.

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