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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Mães que não facilitam e o sistema de cotas


Por Maria Teresa Serman

O título não está errado, embora pareça misturar alhos com bugalhos, como dizia minha avó. Refere-se ao papel fundamental da mãe de um neurocirurgião da rede pública, assunto de uma entrevista em um jornal, hoje, que me impressionou muito. Tanto ele como a mãe, não sei qual foi mais vencedor. No tema está embutido o preconceito, por ele ser negro e de família pobre, pai vendedor, ela,costureira. O médico ficou famoso recentemente por ter operado com sucesso, e cinco horas de competência e dedicação, o operário atingido por um vergalhão na cabeça, que, por um centímetro milagroso, não ficou semiparalisado.

A história é conhecida, ainda que rara, ou talvez não seja, mas não ficamos sabendo de muitos casos de empenho heroico do protagonista, somado ao investimento total, de alma e corpo (e como este corpo deve ter ficado fatigado, costurando e trabalhando pela família e pelo filho, que sonhava em ser médico!) desta mãe. Só ela e ele acreditavam que conseguiria, até mais ela do que ele próprio, pelo que se depreende do texto. A mãe teve a coragem de proibir que ele ouvisse jogos de futebol - porque era o que o afastava do objetivo; era costureira desde os doze anos de idade, outro ponto para se meditar, não se deixou moldar por uma infância pouco ou nada despreocupada; fazia uniformes escolares e, com as sobras, jalecos para o filho estudante de medicina. Não contava com o apoio do marido para o projeto, pois este dizia que o filho era "muito burro para ser médico", "seu lugar era na oficina sujando as mãos de graxa", e que, se ela acreditava em outra coisa, que "pagasse para ter filho doutor". Então, tudo acontecia contra o sonho dos dois, filho e mãe, mas não se deixaram abater.

De novo: a fé e o sacrifício da mãe foram determinantes, porque ela forneceu generosamente o apoio, que ele valorizou e aproveitou magnificamente. Dona Robélia, não  consegui perceber se está viva, ou se já admira seu filho do céu, deve ser um exemplo contra o preconceito, a acomodação e o ceticismo, que muitas vezes impedem jovens promissores de conseguirem sair da inércia com que sua situação social e a inoperância do sistema público de ensino os sufocam. E agora justifico a segunda parte do título: cotas. E não pretendo criar polêmica ou desrespeitar um opinião diversa, somente suscitar uma análise do fator que me parece mais importante, e que essa senhora e seu filho souberam driblar com louvor, que é a acomodação, tanto do cidadão quanto, e de maneira ainda mais viciosa destes últimos, dos governos, nas esferas municipal, estadual e federal.

O ensino público se orgulhava de sua qualidade. Detesto dizer isso, mas, "no meu tempo", algumas décadas atrás, aluno bom era aquele concursado pela escola pública. A professora "primária" (da primeira fase do ensino fundamental, digamos assim) era muito bem remunerada e valorizada, o melhor "partido" na época. Alunos respeitavam professores e os pais estavam geralmente em sintonia com a escola. Esse quadro, lamentavelmente, se deteriorou, e hoje somos todos testemunhas do que aconteceu, nosso país é um desastre no quesito educação, e quem são os culpados? Nós, antes de mais nada, que não priorizamos o papel da escola e do ensino em nossas vidas, e na vida dos nossos filhos, em ampla maioria. Só queremos que passem de ano, não que aprendam, e muitos pressionam escandalosamente os colégios e seus dirigentes para que isso aconteça. Quanto aos professores, coitados, levam a pior há muito tempo.

A situação se agrava pelo descaso e inoperância dos poderes públicos no setor. O dinheiro dos impostos vai para o bolso ( e outras partes do vestuário menos aparentes...) e escoa pelo esgoto da corrupção e malversação do dinheiro do povo. E para compensar os baixos salários dos profissionais de educação e falta de apoio a uma POLÍTICA honesta e competente, no sentido mais profundo e apartidário do termo, as pessoas que são, ou podem ser, alvo direto de preconceitos e desassistência recebem como esmola mofada uma chance enganosa - pois entrar no nível superior desse jeito não garante futuro a ninguém, é uma falácia - de "entrar pra faculdade", como se esse fosse o caminho e isso resolvesse o problema.

D. Robélia demonstrou com seu exemplo e seu filho, sua vida, que há caminhos, sofridos mas certamente mais eficazes, de vencer a vida e nela vencer. Como disse o eminente médico na entrevista, "(...) ignorei a vida toda os preconceitos." Vivam a mãe coragem e seu filho destemido!

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