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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Dois remos

 Por Maria Teresa Serman
As metáforas sobre a vida são infinitas, algumas desgastadas, outras repetidas, mas mesmo assim válidas, na medida em que se podem extrair novas perspectivas, ou renovar e ampliar as antigas. A comparação com o mar é uma destas últimas, e me atrevo a escrever este texto, deixando claro, logo de início, que a ideia foi pescada - com trocadilho, por favor, - de um texto que citarei ao longo, com o título de Confiança em Deus.
O poema do grande poeta Fernando Pessoa, um dos maiores da língua portuguesa, já nos põe ao largo:
Navegar é Preciso

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
Fernando Pessoa

Só isso já bastaria para muita meditação e vários textos. O desejo de "torná-la de toda a humanidade", ainda que tenha que "tenha de a perder como minha", vai ao encontro do trecho evangélico em que Jesus nos recomenda que quem quiser ganhar a sua vida - no sentido de vivê-la para sim, egocentricamente - perdê-la-á, e quem quiser perder a sua vida - no sentido em que o coloca o poeta - ganhá-la-á. Tornar a "vida grande", magnânima, criadora de ideais, produtora de atos simples mas heroicos, cotidianos, porém insubstituíveis, é uma proposta salvadora, ainda que continuamente recusada pelos homens que se fazem mesquinhos, que pensam rasteiro.
Esses dois remos do título se referem ao esforço pessoal, à luta sem trégua contra os defeitos, pelo amor, e a confiança perseverante em Deus, que também atende pelo nome de fé combinada à esperança. Quando avançamos com um remo só, o nosso, desprezando o sobrenatural, o resultado é tensão, cansaço, desgosto por um caminho sem pesca, à deriva.
"É preciso avançar até lugares onde há, sem dúvidas, ondas, onde a barca balança e a alma percebe que não tem o controle de tudo.(...) E aí gritamos - Senhor, não sei nadar!  - e Ele virá ao nosso encontro, ou então o veremos, pois já estava ali, e nos estenderá a mão, com uma doce reprimenda de pai ao filho medroso:"Por que queres dominar e controlar tudo?
"Às vezes, o Senhor permite uma insegurança que, bem aceita, ajuda-nos a crescer em retidão de intenção. O que importa é abandonar-se em suas mãos, e, neste confiar nEle encontra-se a paz."

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