Por Maria
Teresa Serman
O título
não está errado, embora pareça misturar alhos com bugalhos, como dizia minha
avó. Refere-se ao papel fundamental da mãe de um neurocirurgião da rede pública,
assunto de uma entrevista em um jornal, hoje, que me impressionou muito. Tanto
ele como a mãe, não sei qual foi mais vencedor. No tema está embutido o
preconceito, por ele ser negro e de família pobre, pai vendedor,
ela,costureira. O médico ficou famoso recentemente por ter operado com sucesso,
e cinco horas de competência e dedicação, o operário atingido por um vergalhão
na cabeça, que, por um centímetro milagroso, não ficou semiparalisado.
A
história é conhecida, ainda que rara, ou talvez não seja, mas não ficamos
sabendo de muitos casos de empenho heroico do protagonista, somado ao
investimento total, de alma e corpo (e como este corpo deve ter ficado
fatigado, costurando e trabalhando pela família e pelo filho, que sonhava em
ser médico!) desta mãe. Só ela e ele acreditavam que conseguiria, até mais ela
do que ele próprio, pelo que se depreende do texto. A mãe teve a coragem de
proibir que ele ouvisse jogos de futebol - porque era o que o afastava do
objetivo; era costureira desde os doze anos de idade, outro ponto para se
meditar, não se deixou moldar por uma infância pouco ou nada despreocupada;
fazia uniformes escolares e, com as sobras, jalecos para o filho estudante de
medicina. Não contava com o apoio do marido para o projeto, pois este dizia que
o filho era "muito burro para ser médico", "seu lugar era na
oficina sujando as mãos de graxa", e que, se ela acreditava em outra
coisa, que "pagasse para ter filho doutor". Então, tudo acontecia
contra o sonho dos dois, filho e mãe, mas não se deixaram abater.
De novo:
a fé e o sacrifício da mãe foram determinantes, porque ela forneceu
generosamente o apoio, que ele valorizou e aproveitou magnificamente. Dona
Robélia, não consegui perceber se está viva, ou se já admira seu filho do
céu, deve ser um exemplo contra o preconceito, a acomodação e o ceticismo, que
muitas vezes impedem jovens promissores de conseguirem sair da inércia com que
sua situação social e a inoperância do sistema público de ensino os sufocam. E
agora justifico a segunda parte do título: cotas. E não pretendo criar polêmica
ou desrespeitar um opinião diversa, somente suscitar uma análise do fator que
me parece mais importante, e que essa senhora e seu filho souberam driblar com
louvor, que é a acomodação, tanto do cidadão quanto, e de maneira ainda mais
viciosa destes últimos, dos governos, nas esferas municipal, estadual e
federal.
O ensino
público se orgulhava de sua qualidade. Detesto dizer isso, mas, "no meu
tempo", algumas décadas atrás, aluno bom era aquele concursado pela escola
pública. A professora "primária" (da primeira fase do ensino
fundamental, digamos assim) era muito bem remunerada e valorizada, o melhor
"partido" na época. Alunos respeitavam professores e os pais estavam
geralmente em sintonia com a escola. Esse quadro, lamentavelmente, se
deteriorou, e hoje somos todos testemunhas do que aconteceu, nosso país é um
desastre no quesito educação, e quem são os culpados? Nós, antes de mais nada,
que não priorizamos o papel da escola e do ensino em nossas vidas, e na vida
dos nossos filhos, em ampla maioria. Só queremos que passem de ano, não que
aprendam, e muitos pressionam escandalosamente os colégios e seus dirigentes
para que isso aconteça. Quanto aos professores, coitados, levam a pior há muito
tempo.
A
situação se agrava pelo descaso e inoperância dos poderes públicos no setor. O
dinheiro dos impostos vai para o bolso ( e outras partes do vestuário menos
aparentes...) e escoa pelo esgoto da corrupção e malversação do dinheiro do
povo. E para compensar os baixos salários dos profissionais de educação e falta
de apoio a uma POLÍTICA honesta e competente, no sentido mais profundo e
apartidário do termo, as pessoas que são, ou podem ser, alvo direto de
preconceitos e desassistência recebem como esmola mofada uma chance enganosa -
pois entrar no nível superior desse jeito não garante futuro a ninguém, é uma
falácia - de "entrar pra faculdade", como se esse fosse o caminho e
isso resolvesse o problema.
D.
Robélia demonstrou com seu exemplo e seu filho, sua vida, que há caminhos,
sofridos mas certamente mais eficazes, de vencer a vida e nela vencer. Como
disse o eminente médico na entrevista, "(...) ignorei a vida toda os
preconceitos." Vivam a mãe coragem e seu filho destemido!
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