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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

EmContando – 58 - O Padeiro

                                                                                                   (Rubem Braga)

Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento – mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de  ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a “greve do pão dormido”. De resto não é  bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno: acham que obrigando o povo a tomar café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.

Está bem. Tomo meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:

- “Não é ninguém, é o padeiro!”

Interroguei-o uma vez: como tivera a ideia de gritar aquilo?

- “Então você não é ninguém?”

Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não é ninguém, não, senhora, é o padeiro”. Assim ficara sabendo que não era ninguém ...

Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação do jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina – e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal  ainda quentinho da máquina como pão saído do forno.

Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar: e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; “não é ninguém, é o padeiro!”

E assobiava pelas escadas.
                                                                                                                             Rio, maio, 1956

Agnes G. Milley

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