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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Vivendo o luto

 Por Verônica Lunguinho

Passei por dois momentos de luto nos últimos seis meses. Primeiro, de uma amiga. Depois, do meu pai. Viver o luto não é fácil, mas quando se passa a ter uma visão diferente da morte, é menos doloroso e nos traz, inclusive, lições para vivermos melhor a nossa vida.

Quando minha amiga de faculdade morreu do segundo câncer, aos 34 anos, eu passei a encarar a vida de outra forma. Soube que ela estava doente por uma amiga nossa em comum que, numa atitude de desespero, deixou seu número de telefone em aberto num comentário de uma postagem no meu perfil do Facebook. Quando vi, liguei imediatamente para ela. Não sei se pela minha personalidade curiosa e ansiosa. Mas achei que deveria ligar, e liguei. Era sábado. Soube que ela estava internada e já me programei com o meu marido para visitá-la no dia seguinte.

Fomos nós no domingo à noite, faltando pouco tempo para o horário de visita se encerrar. Eu tinha uma pendência com ela, no meu coração, por causa de coisas que eu pensava a respeito dela quando era bem imatura, no início de nossa amizade. Lembro que eu pedi perdão morrendo de chorar e ela ria de mim falando que aquilo não era motivo para ela me pedir perdão, que era bobeira. De coração aliviado, saí de lá. Com a sensação de que aquele teria sido nosso último encontro. Mas saí aliviada. Poucos dias depois, minha jovem amiga se foi.

Desse dia para cá, passei a prestar mais atenção nos meus sentimentos e na minha intuição. Afinal, no caso dela segui minha intuição e deu certo. Ela se foi. Deixou saudades, claro, mas tive a oportunidade de dizer a ela o que eu sentia e quem ela era pra mim. Passei a viver dia após dia, sem deixar pendências com os quais convivo. Se algum mal entendido acontecia entre mim e alguém da minha convicência, logo me vinha a lembrança da minha amiga e uma voz baixinha dizendo: “Ei, e se você morresse hoje?”. Acho até que falhei um dia ou outro, mas isso me pressionava a resolver as coisas logo.

Meses atrás meu pai começou a dar sinais de que estava perto de morrer. Deu a mim, minha mãe e meus irmãos recomendações de todos os tipos, lembrava fatos passados... Tive o prazer de levá-lo ao dentista para fazer um tratamento até o final. A última coisa que ele comeu na minha casa foi uma canjica fresquinha, bem quentinha. Eu adorava fazer comida sobrando na minha casa e levar para ele depois, porque eu me sentia bem o vendo comer. Adoro cozinhar para gente “sem frescura”, e ele era assim.

Quando percebi o seu comportamento diferente, uma anteninha dentro de mim ficou atenta. Na minha consciência, ouvia aquela voz baixinha falando: “Olha, seu pai pode ir a qualquer momento. Vá se preparando...” Ele dava sinais. E eu resolvi me atentar a eles. 

Não fui a melhor filha, pois ele estava esquecido e perguntava as coisas mil vezes. Não podia abrir o portão e falar que ia sair que ele ficava morrendo de preocupação. Demonstrava muito medo e insegurança, e isso às vezes me fazia perder a paciência. Mas, ao fim do dia, eu lembrava da minha amiga que faleceu e tentava corrigir.

Até que o momento chegou. Em casa, após viver um lindo dia, ter se declarado para minha mãe e cumprido sua rotina da forma mais perfeita possível, ele passou mal. Caiu nos braços da minha mãe sorrindo. Não deu trabalho algum para morrer. Ele detestava incomodar. Foi levado para o hospital e lá completou o seu ciclo.

No dia seguinte, o enterramos. Houve um momento em que eu e meus dois irmãos biológicos ficamos conversando. Refletimos e chegamos à conclusão de que nosso pai era um homem realizado. Não havia nada que ele não tivesse feito. Nenhum sonho, nenhuma pendência, nada. Dele ficou muita saudade e apenas boas lembranças de seu exemplo. E, claro, a lição: temos que saber viver bem a vida que nos foi dada.

Foi lindo. Foi sereno. Como ele...

2 comentários:

Patricia Carol disse...

Verônica,
Muito comovente seu relato de perdas recentes ainda...mas, como você mesma demonstrou, o melhor que a gente leva e deixa da vida terrena, é o CARINHO, SINCERIDADE, COMPANHEIRISMO...E isso, tanto sua amiga jovem quanto seu paizinho mais idoso, deixaram de boas lembranças pra você: a busca do entendimento e aceitação do outro. Que Deus os tenha na SUA GLÓRIA!
Abraço afetuoso,
Patricia(Pat)

Unknown disse...

Obrigada pelo carinho, Patrícia. É exatamente isso que você comentou. Forte abraço!

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