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terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Para os filhos: "No caminho do Bem"

Segue aqui trechos de um artigo muito bom publicado na Gazeta do Povo que pode ser um bom auxílio aos pais e educadores.

Fim de ano é tempo de refletir sobre nossas atitudes e melhorar o que não está legal. Nunca é tarde para retomar o aprendizado das virtudes humanas

Responda sinceramente: você se sente triste depois de devorar sozinho uma torta de chocolate? Quando algo dá errado, a única coisa capaz de levantar seu ânimo é uma sessão de compras no shopping? Se as respostas foram afirmativas, é sinal de que você está vivendo os efeitos colaterais de uma sociedade que se distanciou da busca pelas virtudes.


No caminho do bem

As virtudes podem ser entendidas como a prática de hábitos que levam o ser humano para o bom caminho, uma “disposição adquirida para fazer o bem”, segundo o filósofo grego Aristóteles. Também chamadas de virtudes cardeais, elas são a temperança, a fortaleza, a justiça e a prudência. Na explicação do doutor em Educação pela UFRJ, João Malheiro, estes quatro pilares brotam dos motores que determinam as escolhas do homem: afetividade, vontade e inteligência, sendo a primeira a mais forte de todas. “A afetividade tende a determinar todas as escolhas que fazemos, e isso é perigoso, porque fazer apenas o que se gosta sem refletir contraria a condição humana da inteligência, aproximando-nos dos animais”, aponta Malheiro, que também é autor do livro Ética e Educação. Segundo ele, hoje a educação das crianças não está mais sendo orientada para tais valores, especialmente os da temperança e da fortaleza, que formam a base do indivíduo. O resultado é um retardamento da adolescência e pessoas que chegam à fase adulta sem qualquer maturidade emocional para agir com prudência e justiça.
Mas o que fazer para ser uma pessoa virtuosa e desfrutar a vida em sua plenitude? Acompanhe a seguir o que diz cada uma das virtudes cardeais e como elas podem ser aplicadas no dia a dia. Lembre-se que, segundo o filósofo grego, as virtudes se aperfeiçoam com o hábito. Neste caso, o jeito é colocá-las em prática o quanto antes.
Temperança
“Para ser grande, sê inteiro. Nada teu exagera ou exclui.” Este verso de Fernando Pessoa diz muito sobre a virtude da temperança. Espécie de regulador dos prazeres e instintos sensíveis do homem, a temperança é a nossa capacidade de lidar com os limites. Uma pessoa temperada não se atira aos prazeres da vida descontroladamente, como quem detona uma caixa de bombons. Antes, ela pesa as consequências de seus atos e consegue domar sua vontade. Segundo João Malheiro, esta é a primeira virtude a ser desenvolvida no ser humano. Isso porque ela deriva da afetividade, e em uma criança de até sete anos a inteligência e a vontade ainda são incipientes, mas o afeto já é forte. “Nossa natureza está preparada para aprender regras, são elas que garantem nossa convivência em sociedade.” Aos pais crentes que tornarão seus filhos mais felizes se proporcionarem a eles o máximo de prazer, Malheiro cita a fábula da Cinderela, em que a noção de temperança está muito clara, porque a personagem sabe que à meia-noite sua diversão irá acabar e respeita esse limite, voltando antes para casa.

O filósofo e professor Carlos Ramalhete aponta que a temperança situa-se entre a restrição exagerada e o prazer ilimitado. “Perceba que, hoje, vivemos a cultura do exagero, com pessoas obesas de um lado e anoréxicas de outro”, lembra o professor. Portanto, alcançar um equilíbrio em todos os aspectos da vida é o grande desafio das pessoas virtuosas.
Fortaleza
Quantos casais que você conhece continuam juntos por mais de cinco anos? Provavelmente não são muitos e isso pode ser um reflexo da ausência de fortaleza, virtude relacionada à paciência, tolerância e à nossa perseverança diante das dificuldades – de uma prova de vestibular à superação de um problema de saúde. “Estamos vivendo na sociedade do transitório, com pessoas mudando de ideia o tempo todo como quem troca de canal”, analisa Carlos Ramalhete. Um dos efeitos desse comportamento é o aumento dos casos de separação de casais. O filósofo lembra que pode ser aprovada em breve no Brasil a Proposta de Emenda à Constituição 28/2009, conhecida como a Lei do Divórcio Direto, que suprime o prazo de convivência para que um casal possa se divorciar. Uma lei semelhante foi implantada na Espanha em 2005, e já no ano seguinte o Instituto Nacional de Estatística espanhol registrou um aumento de 330% de divórcios entre casais com menos um ano de casamento.

João Malheiro sugere que há um egoísmo mútuo entre amigos, namorados e cônjuges atualmente, e lembra que 60% dos casais de classe média carioca estão separados. “As pessoas não são educadas para amar. A afetividade está orientada em um eu insaciável que só se contenta com bens materiais. Mas as pessoas não se dão conta disso porque seu lado espiritual anda adormecido.”

Justiça
Levando em conta o mapa das virtudes de Aristóteles, a justiça é movida pela nossa vontade, enquanto as duas virtudes anteriores se originam na afetividade. Carlos Ramalhete explica que ela é definida pela forma com que lidamos com o próximo, no sentido de dar a cada pessoa o que ela merece segundo a ideia de igualdade. Esqueça as leis judiciárias, estamos falando aqui de cumprir com a nossa responsabilidade perante o outro, seja ele um amigo, familiar ou colega de trabalho. “Nossa sociedade tende a ver as pessoas como um número, são raros os que pensam no outro e agem com respeito e cordialidade”, afirma o filósofo. Para ele, uma pessoa justa é capaz de reconhecer a dignidade humana em qualquer cidadão, independentemente de seus atos, crenças ou classe social.

João Malheiro conta que a noção de justiça se desenvolve na adolescência, quando o jovem começa a descobrir o outro. “É nessa fase que formamos nossos amigos verdadeiros, porque na infância as amizades são estabelecidas de forma natural.” O problema é quando os amigos ficam restritos às redes sociais, como Orkut e Facebook, porque a justiça se aprimora pela convivência entre grupos e, segundo o professor, o meio virtual oferece uma falsa impressão de amizade. Carlos Ramalhete reconhece que o valor da justiça é conturbado na adolescência porque nessa etapa da vida o jovem está se descobrindo como indivíduo justamente pela negação da alteridade. “O adolescente é injusto ao lidar com o outro, a menos que este outro seja a cópia idêntica dele”, afirma.

Prudência
À primeira vista, a palavra prudência pode fazer você pensar em cautela, mas Carlos Ramalhete explica que essa é uma conotação errada, já que excesso de cautela pode significar covardia e, portanto, algo nada virtuoso. Considerada a mãe de todas as virtudes, a prudência mora na inteligência, na forma correta de agir a partir da nossa razão. João Malheiro lembra que a inteligência é uma combinação da razão teórica e da prática. A primeira é regida pelos conhecimentos disciplinares, que adquirimos na escola, enquanto a segunda trata da nossa apreensão das virtudes morais. “Hoje, é comum as pessoas serem educadas apenas com foco na razão teórica, para passar no vestibular, mas inteligência não é só isso, é saber discernir o verdadeiro bem e escolher o meio correto de atingi-lo”, afirma Malheiro. Para ele, educar crianças sem considerar a razão prática é formar indivíduos incompletos, influenciados pelo mal do prazer ilimitado. Ainda na explicação do professor, pessoas afetivas têm maior facilidade para desenvolver a temperança e a fortaleza, enquanto aquelas que estimularam mais a razão teórica têm grande inclinação para serem prudentes.

Publicado em 27/12/2009 | Mariana Sanchez - arianab@gazetadopovo.com.br


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