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terça-feira, 12 de julho de 2011

O radicalismo e a cegueira

Por Rafael Carneiro Rocha
Viver a castidade, ser fiel ao cônjuge, não usar métodos contraceptivos artificiais e aceitar uma família numerosa são atitudes geralmente taxadas como "radicais". E não há problema algum em considerar a "radicalidade" desses comportamentos. São atitudes radicais, sim. Porém, se o indivíduo for acusado de "radical", trata-se de uma acusação tão nula como alguém me dizer que eu sou um usuário radical de óculos quando dirijo um automóvel. Eu não posso abrir mão de usar os óculos quando estou dirigindo, porque tenho miopia. Poderia deixá-los se eu fizesse uma cirurgia corretiva, ou se algum milagre me recuperasse a visão cristalina que eu tinha quando criança. Mas, já que são hipóteses, no meu caso, cada uma mais improvável que a outra, se eu não for "radical", não consigo dirigir. Ou seja, ser intransigente não é, necessariamente, um defeito.

Eu poderia abandonar meu espírito radical, é claro. Se eu deixasse de dirigir, eu não seria mais um usuário fundamentalista de óculos. Mas, ainda assim, como faço mais coisas na vida do que dirigir um carro, pode ser que numa ou outra atividade eu ainda precisasse radicalmente de óculos. Agora, por exemplo, digito o artigo que você lê numa tela a 45 cm de distância dos meus olhos. Sem os óculos, eu poderia digitar o restante do artigo, mas não enxergaria nada, o que não seria nada bom para a Liana, que teria de corrigir alguns erros de digitação e frases desordenadas antes de postar o artigo. A miopia é um fato da minha vida e não tem como eu relativizá-la.

Preciso tomar sempre uma atitude resoluta por causa de algo natural. O que eu quero dizer com todo esse preâmbulo é que assim como é muito simples ser radical com algo tão cotidiano como depender de óculos, vale a pena ser mais radical ainda com coisas muito mais importantes do que um par de lentes. Deveria ser tão cotidiano, como um míope usar óculos, ajustar razoavelmente nossas atitudes àquilo que somos.

Para tudo na vida, devemos ter uma ciência de compromisso. Se o sujeito é casado, a forma mais razoável de viver tal condição é ajustar o seu comportamento às qualidades do casamento. Assim como não é bom um míope dirigir sem óculos, não é bom que um cônjuge faça coisas que causem desajuste à razoabilidade matrimonial. Se o casamento pressupõe fidelidade e fecundidade, não ajustar o comportamento pessoal àquelas duas propriedades é casar-se de forma precária, o que trará inúmeras infelicidades. Os esposos fiéis e abertos ao aparecimento dos filhos são muito mais sensatos do que aqueles que ignoram a realidade do matrimônio. Trata-se de uma atitude radical, mas ela não pode jamais ser confundida com insensatez ou cegueira, muito pelo contrário. Se o míope usa óculos intransigentemente, ele terá clareza de vista, ao contrário do arrogante que, dispensando um acessório aparentemente tedioso, tenderá inevitavelmente a colisões indesejadas.

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