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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

EmContando – 17 - O resgate

Por Agnes G. Milley
Voltando um pouco no tempo, quero contar uma sucessão de episódios que me emocionaram bastante.

Tudo começou na quinta-feira antes do Natal. Fazia muito calor e decidimos procurar um ar fresco na rua. Fomos até a Lagoa para ver a Árvore.   Paramos  na beira da lagoa no trecho bem em frente à Igreja Santa Margarida Maria. A Árvore estava bonita como sempre, mas dessa vez a protagonista da noite não foi ela.

Minha netinha Mariana viu a água se mexer e perguntou ao pai:
“Aqui tem peixe ?” Logo em seguida pessoas a nosso lado começaram a chamar aflitas: “Olívia, Olívia.... aqui Olívia”. Foi muita comoção, choro e desespero.  Aos poucos fomos entendendo que o movimento que Mariana vira na água era de um cachorro nadando com dificuldade.Olívia, a cachorra, era velha e cega. Por um momento de descuido da família, ela deu um passo em falso e mergulhou na água escura da lagoa. Gritos e correria se seguiram por alguns minutos até que uma jovem ligou do celular para alguém, explicando que a dona da cachorra estava passando mal e precisava de ajuda.

“Chamem os bombeiros, chamem os bombeiros” era  o que ouvíamos  além das vozes aflitas da família que continuava  a chamar por Olívia      já  engolida pela escuridão.

Não demorou muito e és que surge um barco todo branco engalanado com luzes vermelhas e azuis, tripulado por vários homens dispostos a achar a Olívia. Era o barco de apoio à Árvore. Ele  circulou pela lagoa, lanternas piscaram, o mangue foi vasculhado, mas nada de Olívia.

Chegaram os bombeiros também  . Alguns  homens ficaram na margem, outros no manguezal e mais   dois  se juntaram  aos do barco.  Cada folha que caía, cada pio de ave ou batida de onda era um sopro de esperança. Confundia-se qualquer som com o  possível gemido de Olívia cansada.

Os corredores, ginastas e ciclistas curiosos, aos poucos, se retiraram. Os que ficaram tentavam consolar os donos da cachorra. Mariana não perdia as esperanças. “Ela pode estar viva ainda”,   murmurava  baixinho e não quis vir embora até saber o desfecho da busca.

Subitamente, lá do meio da lagoa vieram  gritos de vitória. Olívia estava viva.  Os homens do barco  ganharam o dia, a dona de Olívia ajoelhou-se abraçada a seu animalzinho e os agradecimentos e votos de Feliz Natal foram os mais sinceros e calorosos que eu jamais poderia imaginar. Olívia, agora de coleira, caminhava satisfeita, ignorante das emoções que  acendera durante aquelas quase duas horas.

Na manhã seguinte dei falta de minha carteira de dinheiro. Não consegui entender como alguém poderia ter me roubado na noite anterior. Mistério! Nenhum de nós três conseguiu lembrar-se de  alguma situação que pudesse ter favorecido um batedor de carteira.

Telefonei para os bancos, cancelei meus cartões e fui à delegacia para registrar a perda de minha carteira de identidade e CPF. Já mais calma, em casa, atendi o telefone. Um voz  rouca se identificou como  dono da banca de jornal onde paramos na noite anterior para beber água.

Ele disse: “ Hoje cedo, quando abri a banca, achei uma carteira.  Encontrei  nela um cartão com esse telefone. A senhora é a dona Agnes? Se a carteira é sua pode vir buscá-la. Vou ficar aqui o dia todo. Um bom dia para a senhora”.

De fato foi um bom dia. Com a Olívia e minha carteira salvas eu só pude agradecer tamanha solidariedade quase nas vésperas do Natal.

3 comentários:

MªTeresa disse...

Agnes,
você se supera a cada conto, sua alma é lírica e pura, sua escrita flui como se estivéssemos lá na Lagoa acompanhando o resgate. Lindíssimo texto, parabéns! Bj grande,

Patricia disse...

Concordo com tudo o que a Ma. Teresa disse e mais um pouco!

Só não me espanto pois desde que te conheci,faz uns 30 e poucos anos, essa tua sensibilidade de espírito foi o que mais me impressionou entre tantas qualidades tuas,desde a 1ª vez que nos falamos num retiro em Petrópolis.

É muito bom ter amigas tão "capazes de beleza" quanto você.
Abração!

Cristina disse...

Viva! Ainda temos quem nos conte coisas belas ,de almas, de solidariedade,com a simplicidade dos puros. Uma crônica e tanto.

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