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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Os perigos dos computadores na educação

Por João Malheiro, doutor em Educação pela UFRJ,
e-mail: malheiro.com@gmail.com BLOG: escoladesagres.org


Parece que não passa mais pela cabeça de nenhum educador ser contra os computadores no processo educacional. As possibilidades dos recursos disponíveis como instrumento de comunicação e de informação são tão grandes que qualquer pessoa de visão perceberá a necessidade de investir pesado nas tecnologias informáticas. Por outro lado, é importante não ser ingênuo, e também ser capaz de enxergar, por trás desta nova onda educacional, muita ideologia, diversos interesses políticos e financeiros e, principalmente, uma grande ilusão de que o avanço tecnológico irá resolver os principais problemas de aprendizagem.

Com efeito, muitos governantes acreditam que estes novos recursos didáticos irão nivelar as diferenças sociais, ajudar na educação dos mais desfavorecidos, preparar jovens para uma atividade profissional promissora e, a longo prazo, inclusive ajudar a poupar dinheiro na escola, dispensando uma parte dos professores, considerados “desnecessários”.

Outras vezes são os informes oficiais ou os artigos sobre a tecnologia da informação na educação que estão cheios de clichês sobre a “relevância” e a “modernidade” das novas máquinas na sala de aula, ou sobre sua importância para alcançar a verdadeira “autonomia” dos alunos. Entretanto, não costumam referir-se às consequências de longo prazo causadas por estes recursos na vida dos alunos, e muito menos aos resultados para o desenvolvimento do pensamento da criança. Com frequência destacam o prazer que a criança manifesta ao utilizar estas tecnologias nas tarefas escolares, mas não se preocupam em comparar os ganhos reais que se obtém em determinada disciplina adotando ou não tais ferramentas. Destes referidos documentos, costumam constar também preocupações com os docentes, indicando que devem aprender a utilizar melhor os recursos informáticos. Porém, raramente aconselham uma atualização ou aprofundamento na matéria específica que devem transmitir aos alunos. O método é visto como mais importante que o conteúdo.

Por fim, são muitos vezes alguns filósofos e psicólogos da educação os que possuem uma visão um tanto distorcida da realidade dos alunos ao acreditar que o computador irá desenvolver o gênio criador que estaria latente em toda a criança, e que, ao ser libertada dos estudos sistemáticos, ela poderia por conta própria aprender com muito mais motivação e proveito... Será real isto?

Erling Dale, um pesquisador sueco nesta matéria, critica o método que assume ser mais produtivo dar rédea solta aos impulsos criadores dos alunos, do primário ao secundário, deixando-lhes liberdade para desenhar, pintar, etc. Segundo Dale, tal modelo é falso, pois quando a criança realiza algum trabalho nestas condições, ela não produziu qualquer obra de arte, mas simplesmente provas de uma motricidade não desenvolvida. Caso não seja ajudada a desenvolvê-la aprendendo novas formas de expressão, passará a pintar na única forma que sua limitada capacidade conceberá, estancando seus dotes artísticos com apenas sete anos. E o pesquisador conclui: a pedagogia que se baseia na livre expressão da personalidade do menino provavelmente deixará muitos jovens “desenhando como quem tem sete anos”, mas em todas as matérias escolares!

Alinhando-me ao estudioso sueco, sou da opinião de que a pedagogia centrada no aluno, dando-lhe uma liberdade praticamente absoluta para trabalhar e pesquisar com o computador, se apoia numa representação negativa da aprendizagem e do conhecimento. O mito – transmitido desde Rousseau – que dita que o menino nasce criador é uma ilusão. Nenhuma criação se dá sem um treino. Toda a formação estética implica num trabalho anterior com modelos, técnicas e repetição. O conhecimento em geral somente se adquire com trabalho duro e esforço perseverante. Se estudarmos as biografias dos artistas conhecidos, veremos que foram muito poucos os que mostraram talento artístico para a arte e alcançaram um alto nível de destreza sem ajuda de ninguém. O pai de Picasso era professor de desenho e o de Mozart, de música.

Aprofundando um pouco mais, acredito que, se nós educadores permitirmos aos alunos escolherem o que vão estudar via mundo digital, estaremos dando carta branca para que aprendam muito menos. Estaremos produzindo jovens que se divertem bastante no processo educativo, mas que se comunicam pobremente, tornando-se pouco reflexivos, dispersos e consumistas. Dificilmente formarão aquela base necessária para desenvolvimentos intelectuais posteriores, como comprovamos hoje tristemente na vida universitária.

A escola sempre foi o momento privilegiado para que o jovem tivesse um contato mais profundo com a literatura, a história, a geografia, a filosofia. Mas, em relação ao tempo e espaço necessários para a reflexão e interiorização dos valores que nos vêm dessas ciências humanas, o computador por vezes mais atrapalha do que facilita, pois tudo isso exige o esforço de uma leitura meditada, pausada e debatida, o exato contrário do que um mero clique de mouse proporciona.

Podemos concluir que enxergar no computador a panaceia educacional é um grande perigo. Que a moda da tecnologia de informação na sala de aula e em casa somente será útil quando tanto os professores quanto os alunos tiverem bons conhecimentos prévios das respectivas matérias, fruto de muita leitura, do estudo pausado e do conteúdo devidamente retido. Quando aprenderem a relacionar as diversas disciplinas e a pensar logicamente. Caso contrário, a nova pedagogia informática poderá estar favorecendo – contrariando as expectativas –, apenas uma nova elite intelectual que, como sempre acontece, englobará uns poucos que, por um motivo ou outro, conseguem aprender de verdade por conta própria. Mas a grande maioria continuará sendo manipulada por uns poucos, fruto de um abandono “ingênuo” de alguns professores.

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