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terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Meu avô Natal

Por Rafael Carneiro Rocha

Meu avô materno faleceu quando eu tinha apenas 5 anos. Naquela idade que não compreende o luto dos adultos, seu falecimento foi um episódio que minha memória não permite tanto realismo como, por exemplo, o aroma dos palheiros que até hoje, quando alguém acende, me remete à engraçada falta de juízo do meu avô que fabricava o fumo comigo e minha prima ao seu colo.

O juízo, esta palavra que as pessoas entendem como os costumes previsíveis, meu avô tinha pouco. Há centenas de anedotas sobre as fanfarras dele. Do memorial familiar, me vieram muitas de suas proezas.

Certa vez, ele chamou um amigo que tocava harpa para ir “ali”. O amigo entrou no carro e o meu avô dirigiu para o ”ali”. Os bairros da cidade foram ficando pelo caminho, um por um. E, à cada distância aumentada, aquele tocador de harpa perguntava ao meu avô onde era o “ali”. Alguns minutos depois, eles já estavam fora de cidade. Possivelmente, aquele amigo concluiu que meu avô havia lhe pregado uma peça e que aquele “ali” era um canto bem longe de Goiânia. De repente, um destino para uma festa dessas de interior ou de fazenda. Mas o problema é que o Estado de Goiás era pouco para o “ali” do meu avô. No Estado seguinte, certamente, aquele tocador de harpa concluiu que havia caído numa baita duma peça e que o “ali” era, na verdade, alguma cidade do interior de São Paulo que meu avô visitava sempre. De fato, meu avô havia lhe pregado uma baita duma peça, mas maior ainda do que aquele amigo poderia, sequer, imaginar. O “ali” estava fora do nosso país. O “ali” era o Paraguai.

A falta de juízo e o senso de humor irreverente era o modo do meu avô demonstrar carinho. Por exemplo: ele de fazia tudo pela minha bisavó, a sua sogra. Certa vez, diante de japoneses bem comportados que estavam em sua casa, surgiu a notícia de que minha bisavó havia sido atropelada. Paralelamente ao auxílio, meu avô chocou os visitantes quando disse algo como: “Minha sogra já era feia. Agora, que foi atropelada, coitada dela”.

Ele também aprontava com minha outra bisavó, a sua mãe. Na década de 1960, ela ficou precocemente viúva. Pouco tempo depois do luto, ele ligava constantemente para a sua mãe, disfarçava a voz e evocava um galanteador. Minha bisavó ficava furiosa e reclamava para os familiares de que havia um homem que lhe passava cantadas diariamente.

Das ocupações, meu avô sempre foi funcionário público. Era muito bem relacionado e poderia ter alçado uma boa carreira, mas preferia encaminhar os seus amigos a postos melhores do que os seus.

Meu avô teve um caminho próprio. Para a caridade surpreendente que toca a Deus e para o perigo à espreita que fere o homem. Viveu como poucos, desde o dia 25 de dezembro de 1933. E partiu como todos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei a estória do VÔ!!!
Deu saudade dos "causos" que o meu contava pra fazer os netos ficarem empolgados com suas aventuras de "herói". A que mais gostávamos de ouvir,era que sua LINDA BENGALA COM UMA BAIONETA EMBUTIDA NA PONTA(REAL)fora usada por ele, quando "lutou ao lado de SOLANO LOPES, na GUERRA DO PARAGUAI"! Pela sua idade, na época da IRREAL BRAVATA nem sei se já era nascido, pois minha memória também não está mais tão afiada nessa matéria de História. Só sei que minha Vó ficava brava quando ele fantasiava muito, mesmo que só pra nos empolgar. Claro que só acreditávamos nessas estórias fantásticas,enquanto bem pequenos,e como acreditar que PAPAI NOEL existia também fez parte do nosso IMAGINÁRIO INFANTIL, não acredito que tenha nos feito nenhum mal pois era MUITO LEGAL OUVIR ESSAS BRINCADEIRAS QUE FAZIA PRA NOS DISTRAIR! FELICIDADE DE QUEM PÔDE CONVIVER COM AVÓS BEM-HUMORADOS ATÉ DEPOIS DE ADULTOS!

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