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terça-feira, 27 de julho de 2010

Toy Story e a beleza da finitude

Por Rafael Carneiro Rocha

Toy Story 3, encerrado na beleza da finitude, grava o significado da arte.

Quando escrevi sobre Up, depois do preâmbulo elogioso que repito para Toy Story 3, afirmei que os filmes da Pixar são narrativas sobre perigos. Os bonecos sempre correm risco de vida, porém nesses animações a morte nunca foi elevada às últimas consequências como ocorre em Toy Story 3.

Em diversas camadas de finitude, Toy Story 3 supera noções frágeis de <>, comuns até em filmes bons e adultos a que assistimos.

Na apresentação da trama, os brinquedos se afligem com a iminência do abandono. Em seguida, a primeira possibilidade do final feliz lhes é vedada. A creche bonita e acolhedora em que poderiam brincar com crianças se transforma num cenário de pesadelo. O dócil ursinho que recebe os novos integrantes daquela sociedade esconde a sua inclinação totalitária. Assim como na vida em sociedade, qualquer ordem com promessa de paraíso oculta o germe da opressão e do autoritarismo. O filme supera, assim, a noção de finitude como um gozo ad eternum centrado na organização social. Apesar das alegorias implícitas, são cenas bastante divertidas. Na sala de cinema, Gaby, eu e todas as idades divertíamos pra valer com o jeito lúdico do urso e com a afetação do já antológico Ken.

Mesmo nesse núcleo vilanesco, o filme tem personagens fascinantes do ponto de vista dramático. Além do urso com um trauma de abandono no passado, entra também no rol dos grandes personagens da trilogia, o seu escudeiro, um bebê boneco bastante machucado.

Após cenas de prisão de brinquedos e mesmo sugestões de tortura, surge uma espécie de falso clímax, no lixão. Ainda que as imagens sejam um tanto sombrias, o filme cumpre o que se espera dos conhecidos gêneros cinematográficos que lançam os seus personagens à crise para depois fazê-los vitoriosos da morte. Toy Story 3, ainda por cima, é um fi
lme orientado para toda a família e seria insuportável que os brinquedos protagonistas morressem no lixão.

Porém, serão nos momentos seguintes, o verdadeiro clímax do filme, que Toy Story 3 apresentará uma das mais pungentes imagens sobre a beleza da finitude que a câmera cinematográfica já revelou. Quando o dono dos brinquedos, o garoto prestes a se tornar adulto, decide doá-los para uma menininha, ele o faz por brincadeiras. Ele ensina a criança a brincar e, nessas cenas, os bonecos estão inanimados. Nesse estado inanimado (de revelação da finitude, num certo sentido, de morte), a própria câmera é quem despede os bonecos do seu antigo dono. Numa posição de câmera que capta o boneco de costas, sabemos que a imagem revela o inanimado que contempla o homem que parte. Assim, o filme constrói sentido para o inanimado a que assistimos. Eis a beleza da finitude. A arte de Toy Story 3 encontra a verdade sobre a morte, que não significa o abandonar-se nas trevas, mas um partir. Na imagem derradeira, a câmera se eleva ao céu.
Obra-prima.

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